AGRONEGÓCIO
Paraná alavanca produção orgânica com auxílio do SENAR-PR
O Paraná alavanca produção orgânica com auxílio do SENAR-PR. Quando os produtores rurais Vanessa e Fábio Xavier da Silva decidiram “virar a chave”, houve quem os chamasse de “loucos”. Na época, o casal dedicava a propriedade de sete hectares na Lapa, na Região Metropolitana de Curitiba (RMC), à agricultura convencional, com cultivo de soja, milho e feijão, além de pastagens. Em determinado momento optaram por dedicar parcela da área para a produção de alimentos orgânicos, o que causou estranhamento entre os vizinhos e familiares.
O estopim dessa mudança, segundo eles, foi um curso do SENAR-PR realizado em 2013, que não tinha ligação direta com o manejo orgânico. “Eu fiz o PER [Programa Empreendedor Rural] e o projeto era na área de milho [convencional]. Na turma conheci pessoas que já atuavam com orgânicos e acabaram me apresentando as possibilidades dessa área”, conta Vanessa. Naquele mesmo ano, o casal passou a dedicar um hectare para produção de feijão e hortaliças sob o manejo orgânico. O que começou como um experimento, acabou dando certo.
Depois de fazer o curso “Agricultura orgânica básica” do SENAR-PR e buscar outras fontes de conhecimento, o casal aumentou gradualmente o espaço dedicado aos orgânicos até atingir a totalidade da área. Nesse caminho, em 2015, obtiveram a primeira certificação de produtores orgânicos junto ao Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar). Para isso, tiveram que investir em barreiras verdes, que impedem a deriva de agroquímicos de propriedades vizinhas, e na proteção da água utilizada na produção.
Semanalmente, a propriedade de Fábio e Vanessa produz uma tonelada de alface, a mesma quantidade de alho-poró, 800 unidades de brócolis, 300 de repolho, 100 quilos de beterraba, além de 9 mil bandejas de milho-verde a cada safra, sem contar couve manteiga, espinafre, batata-yacon e a acelga.
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Mesmo sendo possível utilizar uma série de produtos para controle de insetos no manejo orgânico, o casal escolheu não aplicar, deixando apenas os inimigos naturais para dar conta das pragas. Tanto que, segundo Fábio, a acelga é plantada “para os bichos”, referindo-se às pragas que preferem comer a folhosa no lugar de outros vegetais. “As caldas funcionam, mas seriam mais adequadas à uma propriedade menor. Em sete hectares não damos conta de aplicar”, explica o produtor, que além da esposa conta com a ajuda de três funcionários que trabalham até quatro vezes por semana.
O casal da Lapa não é um exemplo isolado. Segundo dados do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), o Paraná conta com 3.825 produtores de alimentos orgânicos certificados, o que coloca o Estado como um dos maiores produtores deste tipo de alimento do país. “Os certificados têm validade de um ano normalmente, aí é preciso renovar. Isso faz com que esse número flutue mês a mês, mas, em geral, Paraná e Rio Grande do Sul lideram o ranking brasileiro”, observa o coordenador estadual do Programa Agroecologia do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-PR), André Luiz Alves Miguel. Em 1º de março, quando foi atualizada a lista do Mapa, havia 3.856 produtores gaúchos de orgânicos certificados (apenas 31 a mais que no Paraná). No início, do ano os paranaenses lideravam o ranking nacional.
Apesar de não haver dados oficiais a respeito do volume produzido sob o manejo orgânico, estimativas do governo do Paraná apontam para uma produção anual de 50 mil toneladas, que abrange frutas, hortaliças, grãos e mandioca. “A Região Metropolitana de Curitiba tem foco nas hortaliças. E, nos últimos anos, começaram a surgir diversos polos no Estado que se consolidaram rapidamente na produção de orgânicos. No Norte Pioneiro, por exemplo, estimamos que existam 400 agricultores orgânicos certificados, que produzem principalmente tomate para mandar para São Paulo e Rio de Janeiro. Na região central cresce muito a [produção de] erva-mate orgânica certificada. No Sudoeste, temos duas empresas atuando com grãos orgânicos e, no Noroeste, existe outra empresa fomentando a mandioca orgânica”, relata Miguel.
Essa expansão conta com produtores que iniciaram a atividade no sistema orgânico (leia mais abaixo) e outros que migraram do manejo convencional para o orgânico. Caso também da produtora Luciane Hayduki Kmiecik, de Campo Largo, na RMC, que há 11 anos dedicada a propriedade da família à produção convencional de grãos e hoje produz uma miríade de hortaliças, batatas, frutas, temperos e ervas medicinais, tudo no sistema orgânico. “Isso começou quando nossos filhos começaram a andar. Como as crianças estavam sempre brincando pela propriedade, decidimos mudar o manejo para eliminar os agroquímicos do nosso sistema”, recorda Luciane.
Assim como o exemplo da Lapa, a troca de experiências foi fundamental para Luciane ampliar seus conhecimentos e viabilizar a produção. “Eu tinha familiares que já conheciam o [manejo] orgânico e indicaram o curso do SENAR-PR. Aí que comecei a entender como funcionam essas coisas, e o mais interessante: na prática! Fiz os cursos de olericultura orgânica, manejo de pragas, morango, boas práticas e outros do SENAR-PR”, recorda.
Mesmo os cursos não voltados ao manejo orgânico são fontes valiosas de conhecimento para o produtor, independentemente do sistema produtivo adotado, garante o produtor Carlos Eduardo Iwasaki, de Balsa Nova (RMC). “Os cursos do Programa do HortiMais, do SENAR-PR, eu fiz praticamente todos e garanto que são bons, bem técnicos e práticos. Esses cursos ajudaram a colocar a produção no sistema orgânico. Mesmo não sendo uma capacitação específica para orgânicos, os instrutores têm bastante bagagem”, avalia.
Hoje, Iwasaki produz orgânicos em uma área de 1,8 hectare, tendo como principais produtos a uva de mesa, o caqui fuyu e o tomate. “Também tem um pouco de ervilha torta e outros produtos em pequena quantidade”, explica. No início, a propriedade era convencional, mas quando ele assumiu, há cinco anos, começou a transição para o manejo orgânico. Depois dos ajustes necessários e a pandemia do coronavírus, a certificação veio em 2021.
Na visão do produtor de Balsa Nova, ainda existe resistência de agricultores tradicionais ao manejo orgânico. “Quem já atua há tempos no convencional tem resistência para mudar. O pessoal se acostumou a ficar dependente do produto, não do manejo”, observa, referindo-se aos agroquímicos.
Mas, de acordo com a técnica do Departamento Técnico (Detec) do Sistema FAEP SENAR-PR Vanessa Reinhart, é possível observar uma tendência de a agricultura convencional buscar, cada vez mais, ferramentas no modo de produção orgânico. “Os produtores da agricultura convencional estão absorvendo técnicas preconizadas na agroecologia, como uso de plantas de cobertura, plantio direto, diversificação, integração entre cultivos, consórcios, uso de bioinsumos, entre outras”, elenca. “[Os produtores de alimentos orgânicos] são pioneiros em adotar algumas tecnologias que depois são disseminadas para a agricultura como um todo, a exemplo de produtos biológicos e adubo verde”, complementa o coordenador do IDR-PR.
Comercialização
A venda dos produtos orgânicos acontece por diversos canais. Um dos mais relevantes no Paraná é a compra para merenda escolar, por meio do Programa Estadual de Alimentação Escolar (Peae). Segundo dados do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Educacional (Fundepar), em 2021, o percentual de produtos de base agroecológica e orgânicos na merenda escolar era de 10,5%, sendo que subiu para 18% em 2022. A meta do governo do Estado é que a totalidade da merenda servida nas escolas da rede estadual seja orgânica até 2030.
Nesse contexto, a criatividade e a tecnologia são aliadas indispensáveis para produção orgânica. No auge da pandemia do novo coronavírus, por exemplo, quando as feiras livres deixaram de acontecer, muitos produtores buscaram alternativas para escoar a produção. “O [aplicativo de mensagens de celular] WhatsApp salvou muita gente. O produtor consegue uma margem melhor, elimina os atravessadores, mas tem a dificuldade das entregas”, destaca o coordenador do IDR-PR.
“Hoje, o WhatsApp é o que mais funciona”, revela a agricultura de produção orgânica Luciane, de Campo Largo. “Mando a lista de produtos para os contatos e eles encomendam, com média de 20 entregas nas segundas-feiras e outras 30 nas quartas-feiras”, descreve a produtora, que mirou na clientela que vive em condomínios em Curitiba e Campo Largo. A relação direta entre produtor e consumidor tem suas peculiaridades. “Não é cliente, virou uma família de amigos, onde todos confiam uns nos outros. Tem gente que pede para eu colocar [a encomenda] dentro da geladeira, outro já pediu para eu ajudar a fazer uma horta”, conta. Nessa relação de confiança, quando ocorre algum problema que compromete a produção nos canteiros, Luciane filma o estrago e envia nos grupos para justificar as perdas. “Quando chove granizo, filmo para mostrar a realidade”, afirma.
Orgânicos em escala industrial
A prova de que a produção orgânica não se trata de nicho de mercado está no crescente interesse do público consumidor e de que estão no radar de grandes empresas. Por exemplo, a empresa de origem suíça Gebana, instalada em Capanema, na região Sudoeste, que fomenta a produção de diversos tipos de grãos sob o manejo orgânico.
Segundo o gerente agrícola da empresa, Marcio Alberto Challiol, essa procura começou ainda na década de 90, quando a Gebana tinha interesse em fomentar o plantio de soja orgânica voltada ao consumo humano (para produzir tofu, leite de soja, etc.). “Essa demanda cresceu e verificamos que esses produtores em outras épocas do ano deixavam a terra em pousio entre as safras de soja. Então começamos a pensar em cereais de inverno, como farinhas branca e integral de trigo, depois centeio, e mais recentemente a aveia, que tem uma demanda muito grande”, afirma.
Atualmente, a Gebana processa cerca de 30 mil toneladas de grãos orgânicos (cereais e leguminosas) por ano. “A soja corresponde a 60% do total. Em 100% das áreas que trabalhamos existe o plantio de soja no verão e rotação de milho, trigo, aveia e outras culturas em menor quantidade no restante do ano”, explica Challiol.
Para ter uma cadeia de produção orgânica eficiente, a empresa investe na capacitação constante dos produtores. “Temos um foco muito tecnológico, com máquinas, sementes, produtos biológicos e fertilizantes voltados ao manejo orgânico. Nossa equipe técnica desenvolveu tecnologias em parceria com diversas universidades”, afirma o gerente agrícola da Gebana.
Hoje, a empresa acompanha 150 produtores rurais em propriedades que variam desde cinco até 900 hectares de produção orgânica. Esses produtores recebem um valor adicional de até 35% para a soja sobre o valor de mercado e até 55% para algumas cultivares da oleaginosa com alto teor de proteína. “Para algumas culturas podemos fixar um preço mínimo no contrato, como aveia e feijão”, exemplifica Challiol, destacando que o principal consumo está no mercado interno. “O único grão que exportamos é a soja, pouco mais da metade que produzimos. Os demais ficam no mercado interno”, explica.
Mate orgânico
Cerca de 500 quilômetros de Capanema, a Triunfo do Brasil, localizada em São João do Triunfo, na região Sudeste, atua na produção de erva-mate orgânica e já conquistou mercado em outros países, em especial na Europa e os Estados Unidos. Grande parte das áreas de produção pertence à própria empresa, que processa 2 mil toneladas de erva-mate por ano. Diferente do manejo que ocorre em outros locais, como na Argentina, os ervais manejados pela Triunfo são nativos. “Uma cultura convencional colhe a cada nove meses e a gente a cada dois anos”, explica Lincoln Gadens, diretor-geral da companhia.
Essa produção é convertida em diversos produtos como chá mate verde, tostado e estacionado, extrato líquido e seco e a folha verde, hoje o carro chefe de vendas da empresa. No mercado externo, que representa 97% das vendas, não há tradição no consumo do chimarrão e do tereré, como no Brasil e outros países vizinhos. Nesse caso, o apelo da erva-mate orgânica é a saúde.
A certificação de produção orgânica das áreas produtivas ocorreu há mais de 20 anos pela empresa, que está sempre de olho nas exigências dos compradores externos. “Na Europa, por exemplo, eles estão pesquisando componentes potencialmente nocivos. Então temos que nos adaptar, pois produtos que eram usados no campo precisam ser substituídos. Como a gente exporta há muito tempo, vemos que eles querem mais do que alimento orgânico. Exigem que o agricultor esteja em dia com as obrigações sociais, que o meio ambiente esteja preservado”, analisa o diretor geral da Triunfo.
Com Faep