Mandioca: técnica inovadora para plantio é criada
Cientistas da Embrapa desenvolveram um processo inovador de propagação de mandioca. Em vez de utilizar o material tradicional (manivas-semente), a nova técnica usa miniestacas. A inovação conseguiu contornar características indesejadas, como a baixa taxa de propagação e os grandes volumes de materiais de plantio convencional, que dificultam a logística de armazenamento e transporte das manivas para novas áreas.
A técnica, desenvolvida no âmbito da Rede de multiplicação e transferência de manivas-semente de mandioca com qualidade genética e fitossanitária (Reniva), é tema do comunicado técnico Miniestacas de mandioca – nova alternativa de material de plantio, assinado pela equipe da Embrapa Mandioca e Fruticultura (BA), técnicos e produtores parceiros. O engenheiro-agrônomo Herminio Rocha, um dos coordenadores do Reniva, conta que essa técnica surgiu a partir do trabalho, também inédito, de multiplicação de mudas de mandioca em larga escala no Instituto Biofábrica de Cacau (hoje Biofábrica da Bahia), parceiro do Reniva.
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Rocha lembra que o material de plantio de mandioca convencional demanda uma logística muito bem concatenada com as operações de campo. “Quando você pensa em plantar áreas maiores do que 10 ha, você pensa em muitos caminhões de manivas. Para se plantar apenas 1 ha de mandioca, são demandados de 4 m3 a 6 m3 de hastes convencionais, um grande volume. Quando você pensa em plantar com miniestacas, você reduz demais isso. Uma maniva convencional tem peso aproximado de 45 g; uma miniestaca, cerca de um décimo disso [5 g].”
Benedito Dutra Souza, produtor de Tracuateua, no município do Pará, parceiro da Rede Reniva, reitera que essa é a grande “sacada” da miniestaca. “Para levarmos grande volume de manivas-sementes de um estado para outro, precisamos de carretas e carretas. No caso das miniestacas, poderemos levar nos automóveis”, compara o produtor.
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Além disso, Dutra destaca que o produtor deve usar a miniestaca como estratégia para ter acesso a diversas cultivares. E deixa um recado: “Nós produtores rurais cometemos um grande erro: queremos que alguém faça as manivas-semente para a gente. O que temos de fazer é ter acesso àquela cultivar que desejamos e fazer a maniva-semente na nossa propriedade. Fica aqui a recomendação para o produtor que quer plantar 100 ha para produzir raízes: que ele plante 4 hectares de miniestacas. Um jardim clonal, de 1 ha, bem organizado, produz, em 12 meses, 400 mil miniestacas. Aí você imagina um produtor que tem lá 4 ha de miniestacas? É muito material.” Entusiasmado, ele diz que espera em um futuro próximo encontrar caixinhas desses materiais para vender em casas de produtos agropecuários.
Inovação gerando inovação
A capacidade produtiva da biofábrica no início da Rede Reniva, em 2011, segundo o engenheiro-agrônomo da Embrapa, era bastante significativa. Contudo, após o estabelecimento in vitro, começaram a sair as primeiras mudas para aclimatização e isso fez com que um grande volume de lotes fosse aclimatizado ao mesmo tempo. De uma hora para outra, havia na biofábrica aproximadamente 500 mil mudas micropropagadas, de diversos genótipos diferentes, prontas para serem entregues para maniveiros, como são chamados os produtores de manivas-semente.
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“A rede era uma coisa inédita, a logística de distribuição das mudas não foi tão bem planejada junto aos órgãos que podiam recebê-las. Isso fez com que ficassem retidas nos viveiros por mais tempo que o necessário. E, quando a muda não sai, ela sofre o chamado estiolamento. O tecido vegetal, que procura luz, cresce exageradamente. As hastes ficam bastante grandes, chegando a medir mais de 1,20 m de altura. A única solução que tínhamos para não destruir mudas em grandes volumes era cortar a parte aérea e as mudas começarem a rebrotar. Só que percebemos que aquele material que a gente cortava tão valioso, com garantida sanidade vegetal e identidade genética comprovada, estava sendo desprezado. E havia gemas ali, ou seja, tinha capacidade de geração de plantas”, descreve Rocha.
A partir daí, optou-se por cortar as hastes em três ou quatro pedaços, do tamanho aproximado de um lápis (10 cm a 12 cm), contendo, de acordo com o agrônomo, de duas a quatro gemas em cada segmento. “Percebemos que, após alguns dias, as gemas começavam a brotar. Então por que não plantar esse material no campo e ver qual seria o comportamento agronômico disso em termos de produção de raízes?”, conta.
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A descoberta das miniestacas
Rocha explica que as hastes foram divididas em quatro partes. A parte basal é sempre a mais lenhosa, ou seja, com idade fisiológica mais avançada, um pedaço rustificado mais similar a uma maniva convencional. As partes dos terços médio e superior e a ponta são mais tenras, juvenis. Testes em campo comprovaram que a base se comportou exatamente como uma maniva convencional, produzindo uma planta igual à que surge a partir de uma maniva normal, o que despertou na equipe a possibilidade de utilizar a fase da aclimatização nos viveiros para a produção não só das mudas, mas de miniestacas também.
O engenheiro-agrônomo conta que outra vantagem é o aproveitamento total do material. “A partir do momento que você colhe a miniestaca, aquele restante da haste, que se encontra em estágio juvenil e não se comporta exatamente igual a uma maniva convencional, não é descartado, é replantado nos tubetes produzindo mais mudas. Então essa fase de aclimatização não despreza absolutamente nada do que brota a partir das mudas sendo aclimatizadas”, pontua. Daí surgiu a ideia de realizar testes maiores em campo. Foram enviadas, em 2017, quantidades de miniestacas em caixas de isopor para o produtor Benedito Dutra Souza, no Pará.
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Da descrença a difusor da tecnologia
“Quando chegaram aquelas miniestacas de mandioca, bem pequenas em uma caixa de isopor, confesso que olhei com muita desconfiança. Se eu não fosse agrônomo, fosse só produtor rural, era bem provável que não tivesse plantado. Mas isso mudou a minha visão de agrônomo, de empresário, tive ali um divisor de águas”, afirma Dutra sobre sua experiência com as miniestacas.
O produtor conta que a primeira coisa que fez foi pesar o material. Registraram-se, segundo ele, 15 g no total, apenas três gramas cada pedaço. “Gravei esse momento porque seria uma justificativa para mostrar que não germinou porque eram pequenas. Eu pensava que ia dar errado. Plantei sem acreditar. Meu ajudante de campo não queria plantar, mas fui em frente.”
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Seguindo as recomendações técnicas, Dutra utilizou o espaçamento de 1 m x 80 cm, e, depois de 25 dias, percebeu que as plantas iriam se desenvolver. “Aos 11 meses, escolhi a melhor planta e arranquei. Tivemos manivas com tamanho médio de 17 cm, pesando em torno de 100 g, lembrando que a minimaniva que deu origem era uma de 3 g. Conseguimos tirar dessa planta cerca de 17 manivas-semente normais, com tamanho de 17 a 20 cm, que é o padrão utilizado aqui, e diâmetro de 2 cm em média. Mandei para os pesquisadores. Aí eu já estava consciente que dava para produzir tranquilamente raiz e produzir uma nova planta.”
E ele aponta a estratégia para a produção de miniestacas. Segundo o produtor, a miniestaca lenhosa, uma vez plantada com densidade de aproximadamente 10 mil plantas por hectare, ou seja, com espaçamento de 1 m x 1m, vai produzir raiz e uma planta normal, que, por sua vez, vai gerar novas manivas-semente. “Para que possamos produzir miniestacas a partir de miniestacas, aí entra a questão: temos de plantar pelo menos 30 mil miniestacas por hectare, um espaçamento de 1 m x 30 cm aproximadamente. Ou seja, o que me permite produzir miniestaca não é se eu estou plantando miniestaca, é o adensamento”, revela.
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Dutra é um maniveiro-âncora, o primeiro do Pará, e já vem distribuindo manivas convencionais para outros estados do Norte e Nordeste e pequenas quantidades de miniestacas para testes. “Nosso papel de maniveiro é muito interessante. Somos o elo entre a pesquisa e o produtor que quer o material, e as miniestacas irão nos permitir produzir em curto espaço de tempo grandes volumes.”
“O que no início surgiu como um problema tornou-se uma solução. Aquelas mudas estioladas se transformaram nesse advento tecnológico de grande impacto para o sistema produtivo da mandioca, em especial países africanos, em que 95% da produção de mandioca são realizadas pela agricultura familiar, produtores que têm dificuldade de logística de material de plantio, de obtenção, distribuição e transporte desses materiais,” ressalta Rocha. Ele informa que esse trabalho, apresentado em 2018 durante o maior congresso de mandiocultura no mundo, o Global Cassava Partnership for the XXI Century (GCP-21), no Benin, despertou o interesse de pesquisadores da Nigéria, hoje o maior país produtor e consumidor de mandioca do mundo, que passaram a adotar o novo material.Interesse de países africanos
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Há três abordagens diferentes para a produção de miniestacas de mandioca: a primeira é a que se deu a partir da aclimatização das mudas micropropagadas em viveiro; a segunda é a partir de mudas plantadas em campo; e, a terceira, por meio da técnica da multiplicação rápida. O passo a passo de cada uma está descrito na publicação.
A experiência do extremo-sul baiano
Miniestacas também foram levadas para testes no extremo-sul da Bahia, por meio da participação da Embrapa Mandioca e Fruticultura no Plano de Ação Territorial (PAT) da Mandiocultura no Extremo-Sul baiano, que envolve dez municípios. O Reniva chegou para preencher uma lacuna na região: a escassez de variedade. Cerca de 68 mil mudas provenientes da Biofábrica da Bahia foram distribuídas para os 20 maniveiros instalados no território. O PAT criou também a figura do maniveiro-guardião, na comunidade de Canabrava, em Alcobaça, onde foram plantadas 23 variedades provenientes da biofábrica para avaliação. Duas se destacaram: a BRS Formosa e a Corrente, tradicional da região de Laje (BA).
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“Esse era o propósito inicial: validação de novas variedades e distribuição local. Mas já conseguimos fazer a comercialização de 40 metros cúbicos de manivas-semente para uma empresa em Minas Gerais. Saiu um caminhão daqui em dezembro do ano passado. Foi um marco do ponto de vista de começar a propagação e a comercialização desse material”, conta a engenheira-agrônoma Jeilly Vivianne Ribeiro, coordenadora técnica do PAT, que reúne mais de 40 parceiros, sendo liderado pelo Banco do Nordeste e a Suzano.
Sobre a tecnologia das miniestacas, Ribeiro conta que o produtor que recebeu as miniestacas para teste esboçou a mesma reação de Dutra Souza. “Chegaram 255 miniestacas em uma caixa de sapato. Ele disse: ‘a gente está plantando porque vocês querem, mas a gente não acredita que vá funcionar’. Depois voltamos lá com a equipe da Embrapa, que viu como a área ficou. Não se vê diferença das áreas plantadas com material convencional”, relata.
A agrônoma informa que o PAT implantou um campo de produção de miniestacas em abril, e a expectativa é, até o fim do ano, fazer a primeira colheita. O plantio foi bem adensado (50 cm x 30 cm) — o tradicional é 1 m x 1 m — para o desenvolvimento de miniestacas.
(FONTE: Embrapa)