Foto: Lauro Alves/Governo do RS

Enchentes impactam cadeia produtiva e aumentam o preço de hortifrutis em Porto Alegre

Redação Sou Agro
Redação Sou Agro
Foto: Lauro Alves/Governo do RS

O setor de hortifruti foi duramente atingido pelo excesso de chuvas e enchentes no Rio Grande do Sul que ocorreram desde o fim de abril. A Região Metropolitana de Porto Alegre, a Região dos Vales, a Serra e o Litoral concentram a produção de hortaliças, legumes e frutas no Estado e também foram as áreas mais devastadas pelas chuvas. De acordo com especialistas ouvidos pelo “Jornal da Universidade”, o estrago deve se refletir na subida de preços, o que já pode ser observado em supermercados e feiras da Capital.

Com a enchente, o Centro de Abastecimento do Rio Grande do Sul (Ceasa-RS) precisou transferir sua operação da Zona Norte de Porto Alegre para Gravataí. As águas invadiram o complexo na Capital e chegaram a 2,70 metros no entorno. Pelo menos uma tonelada de proteínas também ficaram debaixo d‘água.

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Nos balanços de preços divulgados pela Ceasa já é possível verificar os aumentos. Na cotação desta segunda-feira, 20 de maio, por exemplo, a beterraba, que antes das enchentes custava R$ 6,11/kg, agora está cotada a R$ 10,28/kg. Nos supermercados visitados pela reportagem, o produto estava a R$ 11,98/kg.

Em entrevista à Rádio Gaúcha no dia 18, o diretor-presidente da Ceasa, Carlos Siege, esclareceu que as folhosas são ainda o maior problema, porque sobrou muito pouco para a venda ou todo o volume já foi comercializado. Portanto, estão pelo menos 80% mais caras, já que algumas espécies vêm do Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro. Já a cenoura e a beterraba vêm da Serra, escoadas principalmente pela RS-118. A Ceasa tem 1.570 produtores cadastrados e recebe produtos de 311 empresas atacadistas de 24 estados e também de 11 países.

A subida dos preços observada deve perdurar por alguns meses, segundo o professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural da UFRGS Paulo Waquil: “As pessoas primeiro vão ter que recuperar suas casas, recuperar sua infraestrutura, algum galpão, alguma máquina, para daí pensar de novo num processo de produção”, prevê.

Além disso, as águas prejudicaram muito a produtividade do solo. Com a enxurrada e os deslizamentos, o solo fértil foi levado. Já o alto volume de chuvas inviabiliza a lida com a terra que sobrou. Assim, as plantas devem produzir menos e com menos qualidade.

Para Waquil, a consequência disso é um aumento de preços duradouro, principalmente das hortaliças. Essas plantas têm um ciclo de produção reduzido e são altamente suscetíveis às variações do clima. Depois de colhidas, também estragam facilmente, o que inviabiliza a formação de estoques.

Como o JU mostrou em reportagem publicada na semana passada, outros setores também foram afetados pelas limitações no transporte. Na manhã de terça-feira, 21 de maio, a ferramenta do governo do Estado que monitora os bloqueios em estradas registrava 108 pontos de bloqueio em 47 rodovias estaduais e 5 federais. Assim, as dificuldades logísticas são outro fator que deve prolongar o período de aumento de preços.

O professor de Economia da PUCRS Gustavo Moraes lembra que a hortifruticultura do Estado está concentrada nas regiões mais atingidas pelas inundações. Nestas localidades, a produção é majoritariamente oriunda de pequenas e médias propriedades, mais suscetíveis a fenômenos climáticos extremos.

“É uma produção menos capitalizada, que tem menos instrumentos à disposição. Em geral, a área média de produção é menor, então o produtor não está tão capitalizado e provavelmente teve outros prejuízos patrimoniais”, analisa Moraes.

Um levantamento da Terra Analytics com a R. Torsiano Consultoria Agrária, Ambiental e Fundiária mostrou que 80% dos imóveis rurais alagados no Estado são pequenas propriedades. Foram atingidas 7.854 propriedades em 58 municípios. De acordo com as definições do Incra, 11,4% se enquadram em médias propriedades e 6% em grandes. As informações foram publicadas no jornal “O Globo”.

Orgânicos são mais suscetíveis ao prejuízo

No último sábado, 18, a extensão dos estragos ainda era contabilizada enquanto os produtores da Feira Agroecológica do Bom Fim tentavam retomar à normalidade. Das 50 bancas que costumam participar da feira, somente 32 estavam presentes. Até o fechamento desta reportagem, a organização não havia divulgado o resultado do levantamento dos danos.

As produtoras de legumes e hortaliças Sandra Campagnollo e Adriana Zampieri, de Ipê, na Serra, estimam uma perda de 70% em sua produção. Sandra acredita que os orgânicos sejam os mais suscetíveis ao estrago. “Quem tem estufa ou consegue controlar a umidade do solo, pode até ter menos prejuízo, mas depender da natureza é mais difícil”, afirma Sandra.

Dentre os feirantes, quem não foi afetado pela enxurrada ou a enchente precisa lidar com um solo excessivamente úmido ou estradas bloqueadas. A situação mais dramática é a das famílias do assentamento de Eldorado do Sul, que perderam tudo.

Vinda de Antônio Prado, na Serra, Francielle Bellé levou dez horas para chegar a Porto Alegre. Normalmente, o trajeto é feito em apenas três horas. Diretora da Agroindústria Bellé, ela adiciona os prejuízos das enchentes anteriores. O ano safra, iniciado em junho do ano passado, foi atingido por três das quatro maiores enchentes do RS.

“Na produção de batata, tivemos uma perda de 70%; do tomate, 50%; das flores comestíveis, 60%. Tudo isso diminuiu bastante a nossa renda.” Franciele Bellé

Afinal, o que fazer neste momento? De acordo com Ezequiel Cardoso Martins, produtor de Morrinhos do Sul e membro do comitê de representantes, os vendedores concordaram em repassar parte do prejuízo aos clientes. “A gente pensou numa equação que pudesse fazer um equilíbrio. Entre os 50% de perda média de cada família, a gente banca 25%, e o consumidor paga um pouquinho a mais. É uma maneira de equilibrar esse custo”, explica. Enquanto os produtores ensaiam uma recuperação, o reajuste deve durar, pelo menos, pelos próximos 30 a 40 dias.

A consumidora Mirian frequenta a feira há 15 anos e é uma defensora do modelo de negócios orgânico e cooperativo. Ela vai continuar comprando na Feira Agroecológica, mesmo com o aumento dos preços. “Claro que o orçamento fica mais apertado, mas eu primo pela procedência da alimentação da minha família”, diz ela, que prefere não ter o sobrenome identificado na reportagem.

A cooperação já existente entre os produtores da Feira se fortaleceu diante da tragédia. A família Stefanoski, produtora de Cerro Grande do Sul, calcula um prejuízo de 50% da produção de verduras. Mesmo assim, está fazendo mudas de alface orgânica para doação, a fim de ajudar a agilizar a retomada das famílias que perderam tudo.

“Eles vão precisar reconstruir suas vidas, mas como eles vão reconstruir? O que eles vão plantar depois [já que a água levou tudo]?”, indaga o produtor Tiego Stefanoski. “Então a gente começou nisso de ajudar com que a gente pode, né?”

Preço da alface dispara: aumento passa de 100%

Em um supermercado na avenida Cristóvão Colombo, no bairro Floresta, houve aumento em todas as variedades de frutas, legumes e hortaliças. No sábado, dia 18, vários itens verdes estavam em gôndola com o cartaz de “promoção”, como a alface crespa a R$ 5,99 – porém é o mesmo preço de quinta-feira, dia 16. A vedete dos aumentos é a alface americana, que custava em média R$ 4,90 antes das cheias; agora, cada pacote de 200g está R$ 9,99 na mesma rede.

Segundo um atendente do setor, os produtos vêm do centro de distribuição em Esteio. Apesar da proximidade e de não ter inundação naquele local, ele avalia que “o problema é a chegada de poucos produtos, além de outros que estão em falta em razão do fechamento de rodovias. Isso certamente deve fazer os legumes e verduras subirem ainda mais”.

Em outro supermercado na rua Coronel Bordini, a alface americana estava custando R$ 12,95 no dia 16. Etiquetas de outros legumes e verduras também chamavam a atenção, como o tomate (R$ 12,90/kg) e a cenoura (R$ 9,98/kg), respectivamente. De acordo com um chefe do setor de hortifrútis, o centro de distribuição da marca fica na avenida Sertório, não sofreu inundação nem falta de produtos. Já o gerente da filial garantiu à reportagem que não houve aumento: “Os valores estão flutuando normalmente. Jamais sobrevalorizamos, esta não é nossa política com os clientes. O fornecedor que aumentar acima da média aceitável, cortamos para não repassar ao consumidor”. Ele acrescenta que a marca trabalha somente com grandes distribuidores de verduras, frutas e legumes e não acredita que haverá alta de preços.

Por outro lado, também houve decréscimo no consumo de verduras devido à falta d’água por vários dias, conforme aponta João Paulo, morador do bairro Moinhos de Vento, onde o fornecimento voltou apenas parcialmente após 14 dias de corte: “Sem água fica muito difícil. Em geral, gosto de comprar rúcula, alface e legumes. Mas sem condições de lavar, eu mudei minha alimentação. Agora é massa e linguiça ou salgados de padaria”.

Os preços também não animam a aposentada Maria Iolanda e sua família, que moram no bairro Passo das Pedras, Zona Norte, onde faltou água por dois dias e a luz está instável. “Comemos massa e feijão todos os dias, ou polenta e ovos, de vez em quando frango. Tem que comprar e fazer na hora, sem estocar nem esperar por promoção. Isso não mudou muito com a enchente, consumir verduras é raro aqui em casa por causa dos preços que já estavam altos e agora ficou impossível”, afirma.

A realidade em um bairro classe média é o oposto. “Não acompanhamos os preços de hortifrútis no supermercado porque compramos tudo na feira da Redenção. Priorizamos a qualidade e a origem da nossa alimentação. Na verdade, há muito tempo a gente já estava pagando R$ 15 o quilo do tomate orgânico, e isso não mudou com a enchente, nem é um problema. Aqui em casa um pé de alface é muita coisa para nós, então não costumamos comprar porque vira desperdício”, diz Carla, que mora com o marido em um condomínio no bairro Auxiliadora que não registrou longos períodos de falta de água, pois possui reservatórios sobressalentes. Mesmo assim, ela suspira antes de concluir: “É um dia de cada vez, e vamos ver o que vai acontecer daqui para frente”.

Em nota, a Associação Gaúcha de Supermercados (Agas) afirma que muitos fatores impactam o preço das frutas, legumes e verduras, e o momento climático absolutamente atípico pressionou ainda mais alguns produtos. “As elevadas perdas com as chuvas e enchentes reduzem a oferta e o preço aumenta, além de prejudicar a qualidade dos produtos. É um momento de pouca oferta e muita demanda, desequilibrando o mercado”, afirma a entidade. A Agas também explica que a operação temporária da Ceasa ajudou a normalizar os preços e principalmente a reorganizar o abastecimento, por isso a tendência é de estabilidade a partir de agora.

A nota complementa que os supermercados não têm estoques de hortifrútis, devido à perecibilidade dos produtos. “À medida que as estradas forem se liberando e a logística se regularizar, haverá a normalização completa do abastecimento das lojas. É uma questão que também está acontecendo em outras categorias, mas precisamos frisar que não irá faltar alimentos nos supermercados.”

Medidas para o futuro

Diante de catástrofes ambientais cada vez mais frequentes, segundo as previsões, o professor Paulo Waquil, da UFRGS, defende a adoção de práticas sustentáveis na agricultura: proteção de áreas de encostas, reposicionamento de matas ciliares para reduzir a velocidade da água e favorecer sua infiltração no solo. “São medidas de longo prazo, mas que têm que ser adotadas”, assevera.

Waquil destaca que o desestímulo de alguns produtores às atividades pode causar o abandono de propriedades. Contudo, quem decidir permanecer, precisará recuperar o solo e suas infraestruturas, e para isso o apoio será fundamental.

“A maioria desses produtores só conseguirá retomar sua produção se tiver acompanhamento técnico, acesso ao financiamento e apoio também para comercialização. Nesse sentido, a retomada da Ceasa e de programas governamentais vai ser muito importante.” Paulo Waquil

Diante da maior enchente da história do Rio Grande do Sul, da destruição de cidades inteiras, da elevação dos preços de alimentos e itens de sobrevivência, das quebras de safras e do caos no fornecimento de água, energia elétrica e telecomunicações, a implantação de mudanças profundas parece uma necessidade evidente. Talvez seja irrevogável alterar a forma de trabalhar, viver, consumir e produzir. Acima de qualquer solução, sobressai a adoção de práticas agrícolas sustentáveis como um caminho crucial para proteger ecossistemas, a natureza e garantir a segurança alimentar. Como disse a entrevistada, “é um dia de cada vez”.

(Com Jornal da Universidade/UFRGS)

(Redação Sou Agro/Sou Agro)

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