Foto: Embrapa

Técnica versátil pode detectar mercúrio em solos

Débora Damasceno
Débora Damasceno
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Pesquisadores da Embrapa Instrumentação e da Escola de Engenharia de Lorena da Universidade de São Paulo desenvolveram um modelo de calibração que pode quantificar mercúrio em lixiviados (produto químico semelhante ao detergente) de aterros e em amostras certificadas de solo. O modelo calibra a técnica de espectroscopia de decomposição induzida por laser (LIBS) com uma amostra de solo. O feito é inédito no mundo, pois é a primeira vez que um grupo de pesquisa consegue calibrar a técnica com um tipo de amostra e depois aplicá-la em outro.

Apesar de ser considerada uma técnica poderosa, a LIBS apresenta baixa sensibilidade a alguns elementos, sendo um deles o mercúrio. Para contornar esse obstáculo, os pesquisadores utilizaram um sistema LIBS de duplo pulso (DP-LIBS) desenvolvido de forma pioneira no Brasil, na Embrapa Instrumentação, com parâmetros otimizados para cada uma das duas amostras – solo e lixiviado. Um dos principais avanços do estudo foi melhorar o limite de detecção de mercúrio do sistema DP-LIBS, tornando-o mais preciso e sensível do que os sistemas LIBS convencionais.

O que são modelos de calibração?

Os modelos de calibração relacionam o sinal medido pela técnica com a concentração do elemento de interesse. Uma vez calibrada, a técnica permite a quantificação do elemento de interesse em outras amostras. Neste estudo, os pesquisadores desenvolveram um modelo que relaciona o sinal coletado ao previsto pelas equações da mecânica estatística e da mecânica quântica.

 

O maior desafio da pesquisa foi fazer com que o mesmo protocolo de medição fosse usado para analisar diferentes tipos de amostras. Além disso, o modelo conseguiu corrigir variações de dados causadas por condições experimentais. O estudo demonstrou que é possível otimizar o sistema LIBS para cada tipo de amostra, uma etapa importante para a quantificação de mercúrio em baixas concentrações.

Potencial do método

Segundo o coordenador do estudo, pesquisador da Embrapa Paulino Ribeiro Villas-Boas , o objetivo era confirmar uma teoria, a possibilidade de usar a técnica LIBS para medir diferentes tipos de amostra como solo e chorume com o mesmo modelo.

Para ele, o novo modelo abre novas possibilidades de análises com a LIBS. “O resultado indica que o modelo tem potencial não apenas para reduzir os efeitos de matriz, mas também para compensar variações na otimização do sistema LIBS para qualquer uma das matrizes (solos e lixiviados), permitindo assim que o sistema seja otimizado para cada tipo de amostra e para cada elemento”, reafirma o pesquisador no artigo.

“Os efeitos nos tipos de amostra causados ​​por suas propriedades físico-químicas levam a variações nos parâmetros do plasma e nas intensidades das linhas de emissão, podendo comprometer a confiabilidade dos resultados”, explica o professor da EEL/USP Carlos Renato Menegatti. Ele disse que, embora as amostras tenham características físico-químicas distintas, não se sabe até que ponto essas diferenças podem afetar as intensidades da linha de emissão de mercúrio.

O que é LIBS?

A espectroscopia de quebra induzida por laser (LIBS) é uma técnica de química analítica que pode detectar e quantificar qualquer elemento da tabela periódica. A técnica não requer reagentes químicos nem preparação de amostras, tornando-a ideal para análises em grande escala, de baixo custo, rápidas e precisas, que não geram resíduos tóxicos. Portanto, oferece um enorme potencial para análises agroambientais.

Enquanto isso, os métodos convencionais usam reagentes químicos para extrair os elementos, precisam de preparação de amostras e são mais lentos.

No estudo, os pesquisadores ajustaram o sistema LIBS para cada tipo de amostra para obter medições precisas de concentrações de mercúrio variando de 50 a 1.000 partes por milhão (ppm). Segundo Villas-Boas, variações na composição química das amostras e nos parâmetros do sistema DP-LIBS dificultam o desenvolvimento de modelos de quantificação.

Ele lembra que um dos maiores entraves é ter um modelo único de solos, visto que eles têm composições químicas e físicas muito diversas. “Então trabalhamos com modelos baseados em princípios físicos, em equilíbrio termodinâmico local e em distribuições de estados de energia de átomos e íons, por exemplo. Partimos de modelos físicos de mecânica estatística e mecânica quântica, mostrando que é possível calibrar o sistema com um tipo de matriz e aplicar em outro”, relata o pesquisador.

Aplicação para solos e lixiviados

As análises foram realizadas com amostras de 540 mg de solo, provenientes de São Carlos, SP, e uma amostra de 500 mg de lixiviado coletada do aterro sanitário de Cachoeira Paulista, SP.

Para detectar a presença de mercúrio, o lixiviado passou por um processo de secagem em estufa e o resíduo seco foi transformado em pellet sólido de 5 milímetros, assim como foi feito com a amostra de solo. “Quando o laser atinge a superfície do pellet feito de solo ou lixiviado, o material absorve energia e sofre um processo de aquecimento e quebra de moléculas, gerando um plasma com temperatura inicial em torno de 50.000 K (acima da temperatura da superfície do do Sol, que tem aproximadamente 5.800 K)”, detalha a pesquisadora da Embrapa  Débora Milori .

Segundo ela, a luz emitida por esse plasma é captada por um espectrômetro, que permite a identificação dos elementos presentes na amostra a partir de suas linhas de emissão. Como a intensidade das linhas de emissão é específica para cada elemento, a quantidade de metais pesados ​​como o mercúrio pode ser medida em apenas alguns minutos.

“No atual estudo, não só conseguimos reduzir os efeitos de matriz, como também corrigimos as diferenças nas condições experimentais em que os conjuntos de amostras foram medidos”, diz Luis Carlos Leva Borduchi, aluno orientado por VillasBoas na Embrapa Laboratório Nacional de Agrofotônica da Instrumentação ( Lanaf ).

O professor Menegatti lembra que o mercúrio é um dos piores contaminantes da saúde e do meio ambiente e foi detectado recentemente em peixes consumidos pela população de seis estados brasileiros. Devido a essas questões, a legislação brasileira determina que as concentrações de mercúrio em lixiviados de aterros sanitários não podem ultrapassar 0,5 ppm, mas muitas vezes chegam a 160 ppm. A técnica LIBS pode contribuir nessa etapa do processo, garantindo os níveis seguros estabelecidos por lei.

“Procuramos fazer algo que pudesse ser medido independentemente do tipo de amostra e assim resolver um problema ambiental geral, não só desta região, mas do mundo inteiro”, comemora o professor.

Os pesquisadores sugerem estudos complementares para confirmar os resultados do trabalho e ampliar o uso da técnica e dos modelos para outros elementos, tipos de amostras e condições de medição. No momento, a equipe está trabalhando em novos métodos para reduzir ainda mais o limite de detecção da técnica LIBS para quantificar o mercúrio.

(Com Embrapa)

(Débora Damasceno/Sou Agro)

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