AGRICULTURA
“Para mim, não tem tempo ruim. A cadeira de rodas é só um detalhe”, diz agricultor cadeirante do PR
#souagro| Em agosto, um pequeno grupo de agricultores e trabalhadores rurais se reuniu no Sítio São Gabriel, em Pitanga, no Centro-Sul do Paraná, onde aconteceu mais uma aula do curso “Inspeção periódica de pulverizadores”, ofertado pelo SENAR-PR, para ensinar ajustes e manutenção em implementos deste tipo de equipamento. Entre os participantes estava o dono da propriedade, André Cozar, que há 23 anos é cadeirante. Para quem não o conhece, pode até parecer surpreendente uma pessoa com deficiência motora participando do dia a dia no campo. Mas Cozar está acostumado à lida: ele administra os 33 hectares do sítio destinados à produção de soja e milho para silagem.
“Nós tínhamos um pulverizador antigo e, um tempinho atrás, compramos um mais moderno. Eu não sabia fazer as regulagens dos bicos. O meu filho Gabriel também não sabia. Então, precisávamos aprender”, diz André. “Para mim, não tem tempo ruim. A cadeira de rodas é só um detalhe. E já estou adaptado”, acrescenta o agricultor.
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Instrutor do SENAR-PR, Gustavo Olzewski destacou o comprometimento e o interesse de Cozar ao longo do curso. “Ele tinha uma força de vontade incrível. Queria muito aprender tudo”, observa. Na avaliação de Olzewski, a participação e o desempenho do aluno cadeirante como produtor rural ajudam a desfazer um mito: de que o setor agropecuário é essencialmente braçal.
“O setor não é movimentado só pelo aspecto físico. É preciso dominar administração, ter conhecimento técnico. O André tem uma experiência fenomenal e é uma prova de que não existem obstáculos para o conhecimento”, ressalta o instrutor.
Após o curso, o filho Gabriel postou em alguns grupos de produtores rurais no WhatsApp fotos do curso, em que o pai aparece entre os alunos. A repercussão foi positiva. “Muita gente veio dar parabéns, dizer que é importante buscar conhecimento. Meu pai é uma pessoa muito forte, gosta de fazer e de aprender. Ele me influencia bastante. O curso foi uma experiência interessante”, aponta Gabriel.
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Superação
André Cozar está ligado ao setor agropecuário desde os 13 anos, quando o pai comprou uma pequena propriedade em Pitanga. Desde então, pegou gosto pelo trabalho no campo e pela lida diária. Na ocasião, a produção era familiar, sem tecnologia e se dava em pequena quantidade. “A gente plantava feijão, um pouco de milho e tinha umas cabeças de gado. Tudo bem pequeno. Só quando eu tinha 18 anos é que compramos o primeiro tratorzinho”, relembra.
Nos anos seguintes, o sítio foi se estruturando. Aos 27 anos, no entanto, André sofreu um acidente de trânsito que o deixou paraplégico. Foi um baque, que trouxe turbulência à vida da família. “Antes do acidente, a gente estava num momento muito bom. Eu estava casado fazia quatro anos e meu filho Gabriel tinha dois anos. Foi muito difícil. Eu queria fazer as coisas e não podia. Tive depressão. Pensei até em vender o sítio e me mudar para a cidade, comprar um posto de gasolina ou algo assim. Mas eu gosto de lavoura. Queria manter minha família no campo”, conta.
Os dois primeiros anos na cadeira de rodas foram críticos, mas André foi se adaptando. Logo, ele superou a depressão e reassumiu a gestão da produção de grãos do sítio. Hoje, o negócio vai de vento em popa. Ao longo dos anos, construiu uma casa nova, renovou o maquinário e planejou seu segundo filho, Matheus – que hoje tem 13 anos e que já demonstra interesse em trabalhar no campo. “E eu aprendi que a vida não é só trabalhar. Tem que viver bem e viver pela família. Sempre que dá, nós tiramos férias, vamos viajar”, conta o agricultor.
A condição de cadeirante, é claro, requer uma dose extra de esforço. Todos os dias, Cozar faz duas horas de fisioterapia pela manhã. Em seguida, almoça e vai a campo. Faz questão de participar de todos os processos da produção agrícola. Três vezes por semana, por exemplo, ele vistoria pessoalmente o desenvolvimento da lavoura. E a produção também se tecnificou. Hoje, o produtor rural conta com assessoria de um engenheiro agrônomo particular e a produtividade está lá em cima: bateu em 71 sacas por hectare, enquanto seus vizinhos produziram em torno de 45 sacas.
“Eu estou sempre na lida. Gosto de ver de perto. A gente melhorou muita coisa e está sempre tentando melhorar”, diz. “No começo, logo depois do acidente, o pessoal achava que dava para me lograr. Hoje, sou muito conhecido e respeitado na região. Fui presidente de associação”, exemplifica.
(Com Faep)