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Reaproveitar água doméstica tem dado bons resultados na produção de alimentos e forragem

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Débora Damasceno
Débora Damasceno

Amenizar os impactos das secas e da irregularidade das chuvas é um dos grandes desafios para a agricultura, especialmente para quem vive no Semiárido brasileiro. Uma alternativa para contornar o problema vem sendo testada pela Embrapa e utilizada na região. O sistema Bioágua Familiar Integrado reaproveita a água doméstica gerada nas pias, chuveiros e lavanderias – chamada de “águas cinzas” – para produzir alimentos e forragens.

Um estudo realizado pela Embrapa Semiárido (PE), com plantio de palma forrageira, demonstrou que as plantas irrigadas com água de reúso alcançaram quase o dobro de produção, em comparação com o uso da água da companhia de abastecimento local. Isso porque, além de ser mais uma fonte hídrica, após passar pelo tratamento no biofiltro, a água também apresenta maior concentração de nutrientes como nitrogênio, fósforo e potássio, essenciais para o desenvolvimento das plantas.

 

A pesquisadora Roseli Freire de Melo, responsável pelos estudos, explica que o sistema funciona como uma complementação hídrica, já que não é uma irrigação constante e que outras águas também podem ser utilizadas. “Mesmo sendo uma irrigação complementar, é possível notar nas plantações diferenças positivas no seu desenvolvimento, como folhas mais verdes, nutridas, e um suporte maior de forrageiras, uma vez que o tempo de espera entre um corte e outro é reduzido”, ressalta a pesquisadora.

Para ela, o reuso de águas cinzas surge como oportunidade de sustentabilidade de pequenos sistemas de produção. “Ele fortalece a produção familiar, realiza saneamento básico na zona rural, aumenta a disponibilidade hídrica e acaba transformando um problema em oportunidade, além dos benefícios ambientais”, destaca.

 

Como funciona o sistema Bioágua Familiar

O sistema Bioágua Familiar de reuso de águas cinzas domiciliares foi desenvolvido por meio de parceria entre a Universidade Federal Rural do Semi-Árido (Ufersa), a ONG Atos e famílias de agricultores. Ele se constitui em uma unidade para tratamento de água residuária doméstica.

Antes de chegar às plantações, a água das pias, chuveiros, lavanderias e máquinas de lavar roupas passa por um processo de tratamento. Primeiro ela atravessa uma caixa de gordura, depois segue para o filtro e finalmente para o tanque de reuso, de onde é bombeada para uma caixa d’água, e de lá para o sistema de irrigação.

Segundo a pesquisadora Roseli Melo, todas as etapas são essenciais, mas o filtro pode ser considerado a principal parte do sistema, pois é nele que a água será tratada. Ele tem aproximadamente um metro de profundidade e possui cinco camadas de diferentes composições (de baixo para cima): seixo, brita, areia lavada, pó de serragem e, por último, os húmus com minhocas.

 

Para cada unidade do Bioágua são necessárias, aproximadamente, mil minhocas, do tipo californianas, que são adaptadas ao Semiárido. Elas se alimentam das raspas de madeira e do húmus, absorvendo todo segmento desnecessário, como, por exemplo, os produtos de limpeza.

Melo alerta que é preciso ter alguns cuidados com o filtro: cobrir com uma tela, para evitar a entrada de insetos e outros animais, fazer manutenção entre seis a oito meses e manter sempre a umidade para que as minhocas consigam sobreviver.

A experiência de quem usa

A tecnologia também vem sendo inserida em comunidades rurais do Semiárido, como forma de testar e demonstrar seu potencial para promover a segurança alimentar dos agricultores familiares. Um dos beneficiados com a implantação do sistema Bioágua Familiar é o produtor Humberto Ferreira de Souza, do município de Uauá, na Bahia. Ele afirma que a tecnologia tem auxiliado muito a sua família, pois água cinza, que antes era jogada fora, agora é tratada e aproveitada para irrigar suas plantações, evitando também outros transtornos, como o aparecimento de mosquitos, o que era comum. “Hoje não tem mosquitos em volta da casa, e a gente ainda molha as plantas”, completa.

A agricultora Antônia Andrade de Araújo, da Comunidade Indígena Coelho Atikum Jurema, em Petrolina (PE), diz que está “feliz da vida”, porque só a chuva não era suficiente para os plantios, e precisava carregar água de um barreiro próximo à sua área. “[Com a implantação do sistema, há cerca de um ano,] mudou tudo pra mim. Agora minha água é certa, não vou mais carregar. Se não chover, tudo bem e se chover, tudo bem também,” declara.

A área de cerca de 800 m² que tinha apenas algumas plantas e produzia pouco milho e feijão para o consumo da família, agora abriga uma horta e um pomar bastante variado, de onde já se colheu abóbora, acerola, mamão, caju, pinha, tangerina, entre outras frutas e hortaliças. “Eu acho bonito e gosto de comer, e aqui não tem veneno não”, se orgulha.

Na casa de dona Antônia Araújo vivem sete pessoas, e a água para o consumo vem de um caminhão pipa que eles pagam todo mês. Ela conta que a água usada era toda desperdiçada no terreiro e que ela se lamentava por não aproveitá-la. “Agora, as plantas ficaram mais bonitas, cresceram mais, mudaram de folha. Coisa linda demais, pra mim é maravilhoso”, comemora.

O produtor Rinaldo de Lima, morador do Sítio Coelho, em Petrolina, relata que também precisava molhar as plantas “no balde”. Agora não falta água, pois complementa a da chuva, armazenada na cisterna, com a do barreiro e ainda a do reúso. “A gente gasta bastante água pra tudo, então assim já é bem aproveitada. Usa a água e não desperdiça”, declara.

Com essa segurança, irriga as plantas que já tinha e também está investindo em outras culturas. “Botei pitaia, limão tahiti, macaxeira, banana, batata, melancia… de tudo tem um pouquinho. Lá em casa eu ia comprar [esses alimentos] e já não estou comprando, que tudo eu tenho produzindo”, relata o produtor.

Ele está investindo em uma área maior e mais variada, com irrigação por gotejamento, visando à comercialização do excedente. “Meu plano é produzir pra conseguir fazer minha feira aqui de dentro, e trabalhar agora pra daqui a um ano ter retorno daquilo que eu apliquei”, planeja.

( Débora Damasceno/Sou Agro com Embrapa)

(Fotos: Embrapa)

(Débora Damasceno/Sou Agro)