ESPECIAIS
Que tal provar um salgadinho feito de sorgo?
Uma opção mais saudável de snack à base de grão integral de sorgo com adição de cúrcuma, em alternativa ao tradicional “salgadinho de milho”, foi desenvolvida por pesquisadores da Embrapa Agroindústria de Alimentos (RJ) e da Embrapa Milho e Sorgo (MG), em parceria com a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e o Instituto Nacional de Pesquisa para Agricultura, Alimentação e Meio Ambiente (Inrae), da França.
O snack produzido pelo processo de extrusão termoplástica apresentou alto teor de compostos bioativos, associados à redução do risco de doenças crônicas cardiovasculares e alguns tipos de câncer. Por ser isento de glúten, pode ser consumido por pacientes celíacos.
Os resultados do desenvolvimento foram publicados na Revista Food Research International em novembro de 2021 sob o título: Efeito da extrusão e adição de cúrcuma nos compostos fenólicos e propriedades da kafirina em sorgo com tanino e sem tanino (Effect of extrusion and turmeric addition on phenolic compounds and kafirin properties in tannin and tannin-free sorghum).
Os testes foram realizados em snacks produzidos com grãos inteiros de sorgo com tanino, da linhagem SC 319, e de sorgo sem tanino, o híbrido BRS 330 da Embrapa, ambos de coloração marrom. Os pesquisadores adicionaram condimentos naturais, para conferir cor e sabor ao produto, evitando a aspersão de uma emulsão oleosa, com temperos e corantes, normalmente aplicada pela indústria alimentícia. “A oferta dessa solução tecnológica, atende à crescente demanda dos consumidores por produtos mais saudáveis, sem glúten e clean label”, aponta Cristina Takeiti, pesquisadora da Embrapa Agroindústria de Alimentos. Os produtos clean label (“rótulo limpo”, em português) representam alimentos com reduzido número de ingredientes e aditivos químicos como corantes, saborizantes ou conservantes.
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Segundo dados publicados em revistas científicas internacionais, o sorgo possui aproximadamente dez vezes mais compostos bioativos que os cereais convencionais, como milho e trigo, especialmente as cultivares contendo taninos. Os pesquisadores comprovaram o alto teor de compostos fenólicos presentes no sorgo, principalmente na linhagem SC 319, que possui tanino. A pesquisa também mostrou que, após o processo de extrusão termoplástica, esses compostos são mais facilmente liberados da matriz celular e se tornam bioacessíveis.
Além de aumentar a capacidade antioxidante, a extrusão também melhora a solubilidade da principal classe de proteínas do sorgo, as kafirinas, levando à melhor digestibilidade desse cereal. “Esse resultado desmistifica a ideia de que todo alimento processado é prejudicial à saúde, uma vez que a técnica de extrusão possibilita que os compostos bioativos fiquem mais disponíveis e possam ser mais facilmente metabolizados e absorvidos pelo organismo humano”, completa Takeiti.
O que é extrusão termoplástica?
O processo de extrusão de alimentos é uma forma de cozimento rápido, contínuo e homogêneo, a partir do qual se aplica alta pressão e temperatura durante um curto espaço de tempo. Como resultado, provocam-se mudanças na forma, estrutura e composição do produto. O uso desse processo apresenta inúmeras vantagens: versatilidade, alta produtividade, produtos com formas variadas e, principalmente, sem efluentes. É geralmente aplicado no processamento de cereais, grãos, farinhas de tuberosas e raízes, coprodutos da agroindústria, proteínas, alimentos e ingredientes destinados à alimentação humana e animal.
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Cúrcuma e sorgo: sabor e saúde na produção do snack
Os snacks salgados extrudados foram produzidos na Planta Piloto de Cereais da Embrapa Agroindústria de Alimentos, com farinhas integrais de sorgo com e sem tanino, adicionadas de cúrcuma, cominho e pimenta caiena em pó.
A equipe técnica da Embrapa Milho e Sorgo (Sete Lagoas, MG) realizou a limpeza prévia dos grãos pela técnica de separação por peneiras e insuflação de ar, retirando poeiras, sujidades, sementes e palhas. Após a limpeza, foi realizada a moagem dos grãos inteiros, sem polimento, em um moinho convencional de martelo. À farinha integral crua de sorgo obtida foram adicionadas as especiarias selecionadas (cúrcuma, cominho e pimenta caiena) separadamente para testes. Em seguida, as misturas foram levadas à extrusão termoplástica. “O equipamento conjuga a ação mecânica associada à temperatura para promover a modificação em diferentes graus das estruturas celulares, gerando novos reagrupamentos, apresentados em formato de snacks ou biscoitos em formato esférico, por exemplo”, explica Carlos Piler, também pesquisador da Embrapa.
Os testes mostraram que o snack adicionado de cúrcuma demonstrou melhor resultado, apresentando ótima expansão, cor, sabor e crocância. A cúrcuma é uma raiz, que pode conter até 30% de amido e, por isso, apresenta boas características tecnológicas, particularmente para esse produto, sendo muito utilizada na culinária indiana e reconhecida pelo seu grande poder antioxidante. Os pesquisadores também observaram diferença a partir da variedade de sorgo utilizada. “A amostra elaborada a partir do híbrido BRS 330 foi a mais crocante, uma característica altamente desejável para snacks”, completa Piler.
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Técnicas de ponta mostram mais proteínas e bioativos disponíveis
Uma das principais dificuldades da inserção do sorgo na alimentação humana se deve ao fato de as kafirinas, que são as proteínas majoritárias do sorgo, apresentarem características próprias que dificultam sua digestão pelo organismo humano. Além disso, segundo estudos, os compostos fenólicos, principalmente os taninos abundantes em algumas variedades, são capazes de interagir com essas proteínas e reduzir em até 50% a digestibilidade proteica.
Assim, pesquisadores da Unirio e do Inrae investigaram as possíveis alterações no teor e perfil de compostos fenólicos e das kafirinas após a aplicação da extrusão termoplástica. Primeiramente, a equipe realizou análises para determinar a atividade antioxidante, especialmente os teores de compostos fenólicos, antes e após o processo de extrusão das variedades de sorgo BRS 330 e SC 319.
Na Unirio, foram aplicadas técnicas metabolômicas, como a cromatografia líquida de ultra performance em conjunto com a espectrometria de massas de alta resolução. “A vantagem da metabolômica, uma das técnicas analíticas mais modernas, e que possibilita mapear todos os compostos presentes nas amostras, realizando uma caracterização completa, a fim de subsidiar a etapa de desenvolvimento de novos produtos”, afirma Mariana Larraz, pesquisadora e professora do Programa de Pós-Graduação em Alimentos e Nutrição da Unirio.
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No total, foram analisados 21 extratos obtidos de dois genótipos de sorgo na forma de farinha integral crua, de farinha proveniente dos materiais extrudados com e sem adição de cúrcuma, além da amostra-controle de milho. “Após o processo de extrusão, a análise in vitro indicou que houve em média um aumento de mais de 30% dos compostos fenólicos livres do sorgo, que podem ser mais facilmente absorvidos pelo organismo humano. No total, foram identificados 179 compostos fenólicos, dois deles detectados pela primeira vez no sorgo, como as isoflavonas (daidzeína e genisteína)”, revela Carolina Thomaz, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Alimentos e Nutrição da universidade carioca.
O uso da cúrcuma como corante e saborizante natural foi um diferencial em termos de saudabilidade. “A adição de cúrcuma contribuiu para enriquecer os snacks com compostos fenólicos característicos desta raiz, como a curcumina, aumentando ainda mais a capacidade antioxidante do produto final. Dessa forma, a cúrcuma provou ser um excelente aditivo natural devido às suas propriedades tecnológicas e bioativas”, destaca Carolina Thomaz.
Também foi realizada a análise da distribuição do tamanho molecular das proteínas por cromatografia líquida por exclusão de tamanho, pelo pesquisador Hamza Mameri do Inrae, em parceria com a Unirio. Nessa análise, foi possível compreender as alterações de solubilidade e, por consequência, da digestibilidade proteica do cereal, com intuito de promover sua utilização na alimentação humana.
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“O genótipo BRS330 apresentou 32% das kafirinas extraíveis (solúveis + insolúveis) e este valor aumentou 16% após o processamento por extrusão, comprovando o impacto positivo do processamento na estrutura da proteína e melhorando a solubilidade”, destaca a doutoranda. Além disso, “o nível da solubilidade proteica após extrusão diferiu entre os genótipos utilizados, sendo maior na variedade rica em tanino, devido à própria conformação das proteínas deste genótipo”, acrescenta Mariana Larraz. Contudo, os dados obtidos indicaram que o processo de extrusão termoplástica foi capaz de agir de forma positiva em ambas as variedades de sorgo analisadas, consolidando-se como um processamento eficiente para aumentar a disponibilidade proteica. “Com isso, os resultados impactam positivamente a aplicação desse cereal na alimentação humana em sua forma extrudada”, pontua Carolina.
Esses resultados complementam e corroboram as pesquisas realizadas pelo grupo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), relatados na matéria Técnica de processamento melhora a digestibilidade do sorgo e aumenta seu potencial antioxidante “Embora utilizadas técnicas diferentes para o estudo do sorgo, ambos comprovaram que o processo de extrusão contribuiu para aumentar a digestibilidade e a bioacessibilidade tanto das proteínas (kafirinas) quanto dos compostos fenólicos, o que tem grande impacto no aspecto funcional (benefícios à saúde) das farinhas e produtos obtidos”, salienta a pesquisadora Valéria Queiroz, da Embrapa Milho e Sorgo.
(Fonte e fotos: Embrapa)