ESPECIAIS
Pesquisa brasileira avança no uso de remineralizadores no solo
O estado da arte sobre os remineralizadores e os fertilizantes silicatados, além de conceitos, dos efeitos diretos e indiretos de uso e das estratégias de pesquisa foram tratados pelo pesquisador Éder Martins, da Embrapa Cerrados (DF), em palestra no Workshop Remineralizadores –“Tropicalizando as Soluções da Natureza para uma Agricultura Regenerativa: da Mineração à Mesa e Seus Reflexos Climáticos”.
Promovido pelo Grupo Associado de Agricultura Sustentável (GAAS) e pela Associação Brasileira dos Produtores de Remineralizadores de Solo e Fertilizantes Naturais (Abrefen) de 5 a 7 de dezembro na sede da Embrapa, em Brasília, o evento teve a participação de mais de 200 especialistas, produtores rurais, consultores e empresas do setor mineral brasileiro. O pesquisador destacou a produção científica sobre o tema, destacando que os remineralizadores são compreendidos pela Agrogeologia, ciência que a partir da criação do conceito de Pedologia (ramo da Ciência do Solo), em 1945, concentrou-se no estudo do uso de rochas na agricultura. Nos anos 2000, foram iniciados os estudos em Agrogeologia Tropical.
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Ao pesquisar o Catálogo de Teses e Dissertações do portal da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Martins encontrou 160 dissertações de mestrado e 35 teses de doutorado sobre remineralizadores a partir de 2000, sendo a primeira tese (2000) e a primeira dissertação (2001) produzidas na Universidade de Brasília (UnB), também responsável pelo maior número de trabalhos (14).
Após a realização do I Congresso Brasileiro de Rochagem, em 2009, houve um aumento na produção de dissertações e teses. E depois da regulamentação dos remineralizadores e fertilizantes silicatados, em 2016 com a Instrução Normativa nº 5 do Ministério da Agricultura e Pecuária, a produção científica sobre o tema aumentou ainda mais. De acordo com o levantamento, as regiões brasileiras com maior produção de dissertações e teses são o Sudeste (34%) o Sul (30%) e o Centro-Oeste (19%). “Vemos que a relação entre a pesquisa e o desenvolvimento dos produtos é diretamente proporcional”, comentou.
Em outra consulta, dessa vez na base de dados internacional Scopus, Martins localizou 518 publicações sobre remineralizadores, como artigos, livros e revisões, a partir de 1983, observando um crescimento exponencial no número anual de trabalhos no mesmo período da etapa de produção brasileira de dissertações e teses sobre o tema.
O Brasil produziu cerca de 20% (105) dessas publicações, e é o maior player mundial sobre o tema, que é multidisciplinar, abarcando diversas áreas de conhecimento – principalmente agricultura, mas também Ciências Ambientais, Ciências da Terra, Engenharia, entre outras. Outros países com grande número de publicações sobre o tema são o Reino Unido, a China, os Estados Unidos e a Índia. A Academia Chinesa de Ciências, a UnB, a Embrapa e a Universidade de Guelph (Canadá) concentram os maiores números de publicações.
Assim como no restante do mundo, praticamente toda a pesquisa brasileira sobre remineralizadores é custeada por recursos públicos, sendo o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Capes, as fundações de amparo à pesquisa, a Embrapa, as universidades e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) os principais financiadores. Claudete Ramos, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e Suzy Theodoro, da UnB, são as pesquisadoras brasileiras com mais publicações sobre remineralizadores, e figuram entre os 10 autores com mais títulos sobre o tema em todo o mundo.
Conceitos
“A remineralização é um processo no qual imitamos a natureza. Usamos uma rocha existente na região e a aplicamos no solo onde já houve um intemperismo. É um processo de renovação do solo, em que reiniciamos o intemperismo”, definiu Martins, acrescentando que em solos jovens, ricos em minerais primários, o efeito da remineralização é menor. “Quanto maior o intemperismo do solo, quanto mais arenoso ele for, maior é a resposta do processo de remineralização”, completou.
Nesse sentido, ele explicou que o solo é um recurso geológico por ser oriundo de rochas e, portanto, é preciso entender qual rocha originou determinado solo por meio do intemperismo, especialmente em condições tropicais de longo prazo. Por outro lado, a rocha pode servir como recurso agronômico, pois pode ser transformada em insumo para o manejo da fertilidade do solo. Dessa forma, cientistas em todo o mundo têm mostrado possibilidades de uso de produtos de processos geológicos na agricultura, como as cinzas vulcânicas e os depósitos de origem glacial, que são rochas moídas de forma natural.
O pesquisador ressaltou que para a formação de um solo há sempre a geração de um mineral no final do processo. Enquanto os insumos comumente utilizados na agricultura (cloretos, carbonatos, sulfatos, fosfatos e boratos) se dissolvem completamente no solo, as rochas usadas como remineralizadores, principalmente os aluminossilicatos, têm dissolução parcial. “Significa que, obrigatoriamente, serão geradas novas fases minerais, que ficarão no solo no longo prazo, alterando as características físicas, químicas e biológicas do solo, além de disponibilizarem vários elementos químicos essenciais ao solo e às plantas”, disse.
A reação de intemperismo é, portanto, segundo Martins, a base do processo de remineralização, envolvendo a reação da rocha com a água, a acidez (que pode ser da água da chuva ou do solo, rico em gás carbônico) e a atividade biológica. São gerados como efeitos diretos novas fases cristalinas ou de baixa cristalinidade, ocorrendo também a liberação de nutrientes (silício, cálcio, magnésio, potássio, entre outros) e de hidroxilas ou bicarbonato para a correção do solo.
Martins lembrou que as rochas são qualificadas a partir dos efeitos diretos que produzem, daí a necessidade de métodos que qualificam a correção do solo e o fornecimento de nutrientes, bem como quantifiquem a geração de novas fases minerais. “Cada rocha terá comportamentos diferentes”, afirmou, citando métodos existentes para avaliar o poder de neutralização para o calcário, o potencial de fornecimento de potássio no curto prazo e a geração de capacidade de troca de cátions (CTC, indicador relacionado à retenção de nutrientes) total pela formação de novos minerais.
Outro ponto destacado pelo pesquisador é que, na maior parte dos solos tropicais onde o intemperismo é profundo, há uma elevada capacidade de troca de ânions e uma baixa CTC. “O aumento das novas fases minerais (com o uso dos remineralizadores) vai contribuir para a geração de um reservatório de cátions nos nossos solos”, disse. Outro efeito do intemperismo é a diminuição dos níveis de micronutrientes no solo, “e os remineralizadores contribuem com o fornecimento de micronutrientes de forma equilibrada”, completou.
Os remineralizadores são uma categoria de agrominerais silicáticos com diversos grupos, podendo ser ricos em cálcio e magnésio (basálticos), cálcio (calcissilicáticos), magnésio (ultramáficos), potássio (alcalinos) ou cálcio, magnésio e potássio (ultramáficos alcalinos). Durante o Workshop, o Martins propôs a discussão técnica de uma nova classificação dos agrominerais silicáticos conforme o percentual da soma de bases da formulação química das rochas.
O pesquisador também destacou a reatividade biológica dos silicatos, fator que acelera o processo de intemperismo, sugerindo, nesse sentido, a classificação dos minerais em quatro grupos: rochas de alta reatividade química e biológica, que têm reação inicial imediata em solos ácidos, liberando bases e silício e alterando o solo sem interação direta com as plantas; rochas de alta reatividade biológica, que começam a liberar nutrientes rapidamente na presença de raízes de plantas; rochas de baixa reatividade biológica, que mesmo na presença de plantas levam mais tempo para reagirem; e rochas de reatividade biológica muito baixa, que não apresentam efeito significativo na escala de tempo agronômica.
Efeitos diretos e indiretos
Ao comentar sobre os efeitos diretos dos remineralizadores, Martins lembrou que o primeiro questionamento recebido quando iniciou os estudos no tema foi o de que esses minerais não promoveriam intemperismo na escala de tempo agronômica. Ele apresentou um gráfico com dados de uma tese de doutorado mostrando a geração de CTC por intemperismo direto de raízes de milho sobre o produto micaxisto, rico em biotita. O comportamento de três frações (tamanhos) granulométricas distintas foi analisado ao longo de 315 dias, tendo sido observado que a biotita foi transformada em vermiculita a partir do momento em que houve interação com as plantas.
Em outro trabalho, o remineralizador biotita sienito foi aplicado em diferentes doses agronômicas em um latossolo de Cerrado, gerando aumentos de até 47% de cargas iônicas permanentes. Segundo o pesquisador, isso promoveu aumento da CTC total e a triplicação da CTC permanente.
Também foi apresentada uma pesquisa mostrando a interação relacionada a processos de liberação de cálcio, magnésio e silício por rochas basálticas. “Um dos efeitos verificados na maioria dessas fontes é o aumento da disponibilidade de fósforo, mesmo em doses agronômicas, de 0 a 8 t/ha. Tanto em solo arenoso como em solo argiloso, houve incremento de fósforo disponível”, comentou, mostrando, ainda, que houve aumento da biomassa do solo e da produtividade de grãos em lavouras de milho e feijão.
Interações entre o remineralizador e substâncias húmicas do solo, de acordo com estudo apresentado por Martins, promovem o aumento significativo da eficiência da absorção de nutrientes como potássio, cálcio, nitrogênio e fósforo pelas plantas.
O pesquisador mostrou, ainda, pesquisas de eficiência agronômica de agrominerais potássicos de baixa disponibilidade, mostrando a liberação do potássio em primeiro ciclo de lavoura, o efeito residual e que não é necessário incorporar essas fontes caso o sistema produtivo tenha elevada atividade biológica, como o Sistema Plantio Direto com rotação de culturas. Outro artigo apresentado mostra os efeitos de rochas moídas como fontes de nutrientes isoladamente e em interação com outras fontes regionais em lavouras de milho e trigo no Sul do Brasil.
Já o sequestro de carbono é um dos efeitos indiretos do uso dos remineralizadores. Martins explicou que os gases de efeito estufa emitidos na produção, no transporte e na aplicação só têm chance de serem sequestrados no solo. Para as rochas basálticas, por exemplo, dependendo dos minerais, da granulometria, dos solos, do clima e do manejo, estima-se que possam ser sequestrados até 300 kg CO2-eq por tonelada aplicada.
Ele apresentou uma pesquisa com 138 experimentos na região central da China, comparando faixas de cultivos com e sem a aplicação de rocha basáltica. Foram observados diversos efeitos no sequestro de carbono, além de benefícios agronômicos, tendo sido verificado incremento de produtividade, sobretudo nos solos mais ácidos, além do aumento da biomassa do solo e do sequestro de carbono inorgânico. “Foi um projeto de três anos com resultados muito robustos. Temos que pensar em modelos experimentais desse tipo junto com o agricultor. É a melhor estratégia”, ensinou.
Segundo Martins, se os remineralizadores originam minerais novos, é necessário estudar um modelo causal da formação de complexos organo-minerais no solo. Ele mostrou um diagrama de um trabalho no qual a umidade, a produtividade primária (taxa de produção de compostos orgânicos a partir de minerais por fotossíntese ou quimiossíntese) e os solos ácidos são fatores de estabilização de matéria orgânica no solo. Para os solos tropicais, que já não contam com minerais primários intemperizáveis, o pesquisador acrescentou um quarto fator: “O intemperismo dos remineralizadores vai gerar fases minerais de baixa cristalinidade, e a matéria orgânica produzida no próprio sistema produtivo vai interagir com esses minerais, gerando assim os complexos organo-minerais”, concluiu, citando a formação de microagregados do solo como outro efeito indireto dos remineralizadores.
Ele apontou algumas hipóteses a respeito da remineralização do solo, como o processo de intemperismo acelerado pela ação da rizosfera das plantas, concomitante à liberação de nutrientes e ao aumento do pH do solo, formando minerais e fases secundários a partir do primeiro ciclo anual. A planta consegue o nutriente ao mesmo tempo em que ocorre o intemperismo, e os novos minerais alteram as características químicas, físicas e biológicas do solo.
“Todos esses fenômenos, juntos, contribuem para a performance da interação da cultura com o seu meio. Conforme os resultados dos agricultores, isso mantém ou aumenta a produtividade, com maior eficiência do uso da água, inclusive melhorando a qualidade dos produtos agrícolas e estabilizando a matéria orgânica na superfície das novas fases minerais”, afirmou.
Insumos multifuncionais
Ao falar sobre as estratégias para o desenvolvimento de soluções locais e regionais, o pesquisador lembrou que os remineralizadores e as fontes orgânicas agroindustriais e urbanas estão entre as matérias-primas regionais com processamento pouco intensivo (somente processos físicos). Já os nanomateriais e os bioinsumos demandam processamento mais intensivo (processos físicos, químicos ou biológicos) para serem produzidos.
“Precisamos interagir esses insumos e tecnologias”, disse, apontando o potencial de geração de novos produtos e tecnologias a partir das possíveis interações químicas, físicas e biológicas entre fontes orgânicas, minerais, bioinsumos e nanomateriais. “É um mundo de pesquisa que ainda precisamos fazer, com o desenvolvimento em conjunto com a indústria”, completou.
Entre as diversas possibilidades de uso de soluções regionais para o manejo sustentável da fertilidade do solo, o pesquisador elencou, além dos remineralizadores e fertilizantes naturais, a compostagem, os biofertilizantes, fontes orgânicas de uso direto, o processo de reciclagem de nutrientes, inoculantes, solubilizadores e bioestimulantes.
Martins caracterizou os remineralizadores de solo como insumos multifuncionais, uma vez que podem atuar como condicionadores e corretivos do solo (aumentam o pH e diminuem o alumínio trocável do solo, aumentam a eficiência de uso dos nutrientes, estimulam a atividade biológica do solo e das raízes das plantas e aumentam a capacidade de retenção da água no solo); como fertilizantes, disponibilizando cálcio, potássio, magnésio, silício, entre outros nutrientes; como formadores de novas fases minerais (aumentam a CTC pela formação de argilominerais e minerais de baixa cristalinidade e geram uma camada de solo estável no longo prazo e com propriedades superiores, resultantes das interações); além de serem matérias-primas para o desenvolvimento de processos e outros insumos locais e regionais, integrados a fontes orgânicas, bioinsumos e nanotecnologia.
Estratégias e demandas de PD&I
Segundo o pesquisador, o modelo experimental de pesquisa deve partir de um processo, que, no caso dos remineralizadores, é o biointemperismo dos minerais. Entre os sistemas a serem estudados, ele citou o mineral-solução, o mineral-solução-solo e o mineral-solução-planta, que devem ser inseridos num roteiro metodológico para o desenvolvimento das pesquisas. “Sabemos das limitações dessas abordagens, e por isso também precisamos fazer pesquisa junto com o agricultor”, ponderou.
Quanto à adoção dos remineralizadores, Martins ressaltou a necessidade de compreensão dos motivos do uso e do não uso pelos produtores rurais, bem como das crenças e das lacunas de entendimento que impedem a adoção completa da tecnologia. Ele também destacou o trabalho da Embrapa e do Serviço Geológico do Brasil no zoneamento agrogeológico, que contribuirá para o desenvolvimento de produtos regionais no País.
Outras demandas apontadas pelo pesquisador são o processo de beneficiamento de agrominerais com baixa emissão de carbono, a integração de fontes regionais e commodities e a avaliação do sequestro de carbono. “Essas são as grandes perguntas de pesquisa”, afirmou.
A palestra de Martins integrou o painel “Avanços e desafios dos remineralizadores no setor agrícola” moderado pelo pesquisador Carlos Augusto Posser Silveira, da Embrapa Clima Temperado (RS), que também contou com apresentações de Sirlene de Oliveira (doutoranda pela Unesp-Botucatu), sobre a pesquisa sistemática com remineralizadores e fertilizantes silicatados; e de Tassia Arraes (MCTI), sobre as ações de PD&I para o desenvolvimento da cadeia produtiva de remineralizadores.