Foto: Allan Kardec
AGRICULTURA

Nova cultivar de capim tem maior produtividade em áreas de baixa fertilidade

Foto: Allan Kardec
Tatiane Bertolino
Tatiane Bertolino

Pesquisadores da Embrapa Cerrados (DF) desenvolveram uma nova cultivar de capim, o capim-andropogon, a BRS Sarandi. Trata-se de uma evolução do Andropogon gayanus cultivar Planaltina, a primeira forrageira tropical lançada comercialmente pela Embrapa em 1980. Além do ótimo desempenho para os rebanhos do Cerrado brasileiro, com ganhos que chegam a 1,15 kg de peso vivo por dia para bovinos em recria, durante a estação chuvosa, a nova variedade garante alta produtividade em solos de baixa fertilidade e maior valor nutricional.

“A nova cultivar da Embrapa é excelente opção para os ambientes mais desafiadores em relação ao clima e ao solo, como os que têm solos com baixa fertilidade ou passam por longos períodos de seca ou ainda os que sofrem com ataques severos de cigarrinhas. Esse capim se destaca por sua rápida rebrota, elevada qualidade nutricional e seu ótimo consumo pelos animais”, explica o pesquisador Marcelo Ayres, da Embrapa Cerrados.

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A cultivar é recomendada para áreas com menor fertilidade natural do Cerrado, inclusive no Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), e também para áreas marginais das fazendas onde a agricultura e outras espécies forrageiras não se desenvolvem bem.

“Buscamos uma evolução da cultivar Planaltina e estamos colocando à disposição dos pecuaristas da região Central do Brasil um produto mais atual, com alta produtividade e ótima qualidade nutricional, capaz de proporcionar maiores ganhos de peso dos bovinos em pastejo”, ressalta Ayres, coordenador do projeto de desenvolvimento da nova forrageira.

Nos experimentos conduzidos na Embrapa Cerrados, a BRS Sarandi apresentou resultados de desempenho animal muito satisfatórios para o rebanho, como explica o pesquisador Gustavo Braga: “Avaliamos os ganhos de peso de animais bovinos da raça Nelore. Os animais mantidos no pasto de BRS Sarandi ganharam de 8% a 10% de peso quando comparados aos animais mantidos na cultivar Planaltina”. O pesquisador explica que essa diferença ocorre basicamente porque a cultivar Sarandi apresenta maior quantidade de folhas em relação à Planaltina. Consequentemente, ela tem melhor valor nutritivo e isso se reflete no desempenho dos animais em pastejo.

Os diferenciais da cultivar
No bioma Cerrado, a cultivar é a primeira a rebrotar logo após as primeiras chuvas. Ela garante alimento para o gado no início da estação chuvosa, quando as outras forrageiras ainda não começaram a produzir. Essa vantagem foi comprovada pelo empresário Celso Pess Júnior, responsável pela Sementes Ponto Alto, uma das empresas que está multiplicando as sementes do Andropogon, com propriedade em Ribas do Rio Pardo (MS).

“Nós colocamos a BRS Sarandi em uma área de baixa produtividade, degradada. E também, propositadamente, em uma área de fertilidade bem baixa. Mesmo assim, ela se destaca muito. Suas plantas passam as outras em altura e formam um bom volume de massa. Ela tem uma rebrota e um crescimento muito rápido, principalmente no início da estação chuvosa”, salienta ele.

Pess ressalta ainda a composição da forragem e sua aceitação pelos animais: “O volume da BRS Sarandi está muito relacionado ao volume de folhas que ela tem. A planta praticamente não tem talo, tudo o que ela produz é folha. É um material bem aveludado, bem macio. Os animais gostam muito. Nós vimos uma pressão de pastoreio muito grande em cima dela, na área onde tem outros pastos misturados”.

Fábio de Oliveira Júnior, responsável pela Agrosol, empresa de sementes situada em Goiânia (GO), ficou interessado na cultivar justamente quando soube que ela tem mais folhas do que as outras cultivares. Ele plantou uma área com a BRS Sarandi e colheu 40 toneladas. As sementes produzidas para  a comercialização na safra 2023/24 foram praticamente todas vendidas. “O mercado é carente de novas variedades, principalmente de Andropogon, que só tem duas”, justifica.

O empresário conta como foi essa primeira experiência com a cultivar: “Deu muito certo esse primeiro plantio. Foi até uma surpresa porque a produtividade foi muito boa. Colhemos em agosto e a produção foi quase toda vendida para pecuaristas de Goiás, Minas Gerais e Tocantins”.

Ele ressalta que o preço da semente ainda está alto porque tem pouca oferta no mercado. Mas acredita que em breve esse cenário mudará: “Na próxima safra, teremos uma produção maior. Com certeza, os preços estarão melhores para o pecuarista”.

Outros aspectos de destaque da cultivar são: maior qualidade da forragem, maior perfilhamento e plantas mais uniformes. “A resistência a pragas e doenças é um dos pontos fortes dessa espécie. Com ela, o pecuarista não precisa se preocupar com pragas como cigarrinhas e nematoides. Além disso, a espécie tolera bem a incidência de fogo”, salienta o pesquisador Marcelo Ayres.

Para orientar a recomendação da cultivar, a Embrapa Cerrados está preparando um material para os técnicos das revendas agropecuárias, com as principais características e orientações. “O objetivo é que as equipes de venda tenham à mão as principais características e orientações para saber indicar a cultivar”, explica o pesquisador.

Outro material será elaborado especificamente para o pecuarista, acompanhando as sementes compradas. Nele, constarão o período de plantio, de adubação, informações sobre os manejos do pasto e do rebanho, quando colocar e tirar o animal do pasto, entre outras, para garantir o melhor aproveitamento do material.

Resultados além do esperado
“Os dados de produtividade que registramos foram altíssimos, não esperávamos esse resultado”, destaca Gustavo Braga. O ganho de peso vivo médio diário de bovinos Nelore machos em recria foi avaliado em pastagens de BRS Sarandi na Embrapa Cerrados entre abril de 2018 e junho de 2020. Os bovinos foram mantidos em três taxas de lotação (1,5, 2,5 e 3,3 unidades animal por hectare (UA/ha)), em piquetes de 1,5 ha, em lotação contínua. No experimento, a taxa de lotação intermediária (2,5 UA/ha) teve o melhor resultado: 15 arrobas de carcaça por hectare/ano.

Quanto à produtividade de forragem, a cultivar também foi avaliada por dois anos, durante os períodos das águas e da seca. A produtividade de massa seca e a forragem acumulada foram similares às das cultivares Planaltina e Baetí – de 11 a 15 toneladas por hectare por ano, com adubação de nitrogênio entre 40 e 60 quilos por hectare por ano. “Esse patamar pode aumentar com maiores doses de nitrogênio ou em ambientes com estação chuvosa mais prolongada”, informa Braga.

No entanto, apesar de as produtividades terem sido similares, a BRS Sarandi produziu maior quantidade de folhas, principalmente nas rebrotações da estação chuvosa, que é o período com maior acúmulo de forragem e hastes. O pesquisador ressalta o impacto dessas melhorias no sistema de produção: “As características da cultivar, como plantas mais uniformes e baixo porte, com mais folhas e menos hastes, facilitam o manejo do pasto pelo pecuarista e aumentam o consumo da gramínea pelos animais”.

A nova cultivar da Embrapa é recomendada para uso em pastagens puras ou consorciadas com leguminosas na região do Cerrado, em solos de baixa à média fertilidade, com textura que varia de arenosa à argilosa, sem problemas de drenagem.

“O cultivo em consórcio com milho ou sorgo é uma alternativa para amortizar os custos de implantação do pasto e ainda intensificar o uso da terra”, ressalta o pesquisador Allan Kardec, também componente da equipe da Embrapa Cerrados. Em Planaltina (DF), a semeadura simultânea com milho na primeira safra resultou em 5,2 toneladas por hectare (t/ha) de grãos e 2,1 t de massa seca (MS/ha) de massa de forragem.

O uso da BRS Sarandi deve ocorrer preferencialmente em sistemas extensivos de cria e recria de bovinos, com ênfase no aproveitamento da forragem na estação chuvosa. Em pastos bem manejados em sistemas mais intensificados, com alta oferta de forragem e de folhas, também pode proporcionar elevados desempenhos animais nas fases de engorda e terminação.

A forrageira é recomendada para ovinos, caprinos e até mesmo equinos. “Sobre a aceitação da forragem pelos animais, chamamos a atenção de que isso depende de um bom manejo dos pastos. Se as plantas estiverem muito altas, passadas, o animal terá dificuldade de consumir essa forragem e, consequentemente, o desempenho será mais baixo, seja em ganho de peso, seja na produção leiteira”, reforça Braga. Outra opção é usar a cultivar para produção de feno ou silagem.

O Andropogon gayanus é uma planta forrageira perene que cresce em touceiras. É uma espécie pouco exigente em relação à fertilidade do solo e tolera ambientes com baixa pluviosidade. Por essas características, a BRS Sarandi pode ser cultivada em ambientes de outros biomas, como a região Norte (bioma Amazônia) e parte da região Nordeste (bioma Caatinga), onde já é feito o cultivo das outras cultivares de capim-andropogon, além de regiões com pluviosidade menor ou instável, como o Semiárido nordestino.

No entanto, ela não tolera encharcamento. O acúmulo de água no solo afeta o desenvolvimento das plantas. Portanto, a recomendação é para plantio em solos bem drenados, o que limita seu cultivo na região amazônica.

O Andropogon, que você já conhece, agora muito melhor
Na década de 1990 estima-se que a cultivar Planaltina chegou a ocupar 5% do mercado formal de forrageiras em pastagens do Cerrado e da Amazônia. Hoje, ela ocupa cerca de 1,5 milhão de hectares, o que corresponde a 2% do mercado. Para os produtores que já utilizam o capim-andropogon, a BRS Sarandi traz facilidades e melhores resultados, mas mantém as características já conhecidas.

A expectativa é que ela substitua a cultivar anterior e ainda seja adotada por produtores que apostam na diversificação das pastagens. “Nós refinamos alguns atributos da cultivar Planaltina para chegar à BRS Sarandi. Depois de 40 anos, retomamos o programa de melhoramento genético da espécie. Focamos em algumas características e mantivemos as qualidades pelas quais ela já é conhecida, consolidadas pela história de sucesso das duas cultivares anteriores, a Planaltina e a Baetí [cultivar da Embrapa lançada em 1993]”, afirma Ayres.

Na próxima safra, pecuaristas do Cerrado já plantarão pastos com a nova forrageira. Francisco Laface Neto foi um dos que comprou sementes da primeira safra destinada à comercialização. O objetivo é plantar 50 hectares na fazenda Tamboril, que fica em João Pinheiro (MG). A propriedade terá 3 mil hectares, de um total 50 mil hectares, com a BRS Sarandi e no futuro, se a experiência der certo, conforme for sendo necessário renovar a pastagem, o capim antigo será substituído pela nova variedade.

Laface Neto conheceu a cultivar ao ler uma matéria sobre o aniversário de 50 anos da Embrapa, a BRS Sarandi foi uma das tecnologias lançadas na ocasião, e imediatamente ficou interessado. “Pelo o que eu li na matéria, inclusive com informações do Marcelo [Ayres], de que é um Andropogon, sendo que o Andropogon já é recomendado para o tipo de solo que nós temos, que é um solo do Cerrado, que aguenta períodos de seca, que é mais resistente, mais adaptado, logo fui atrás do material”, lembra.

A área onde o Sarandi será plantado já foi preparada, com calagem e adubação. Agora, é só esperar a chuva para plantar. Daqui a uns três meses, o pecuarista saberá se suas expectativas serão atendidas. “Nossas expectativas são as melhores. Se a cultivar replicar em campo 80% do que produziu durante a pesquisa, já está muito bom.” O plano é não só substituir todas as gramíneas que hoje estão no pasto da fazenda Tamboril, mas as de todas as fazendas do grupo Agropecuária dos Pratas, sete, no total, que hoje se dedicam à pecuária de cria.

Da Planaltina à Sarandi
O programa de melhoramento de Andropogon gayanus começou com a coleta de sementes das cultivares da Embrapa – Planaltina e Baetí –, oriundas de oito localidades do Cerrado e do Semiárido brasileiro, mais especificamente dos estados de Goiás, Tocantins, Minas Gerais e Mato Grosso, e do banco de germoplasma da própria Embrapa. A seleção partiu de 4.500 plantas e chegou a 150 que apresentaram melhor relação entre folhas e colmos.

Depois foram priorizadas plantas com florescimento tardio, para estender o período de utilização da forragem pelos animais. Como consequência, foram obtidas plantas com porte mais baixo. “Uma das características da Planaltina é que ela tem uma inflorescência muito grossa. Como os animais não conseguem comer essa parte da planta, elas continuam crescendo e dificultam o manejo do pasto, diminuem a qualidade da forragem e limitam o aproveitamento pelos animais. Com a BRS Sarandi, buscamos plantas com mais folhas e menos hastes, alcançando maior qualidade nutricional e melhorando o consumo animal”, detalha Gustavo Braga.

O nome da cultivar faz referência a uma das fazendas onde a Embrapa Cerrados foi instalada. Também é um regionalismo que significa terra fraca ou estéril, o que remete a um dos atributos da nova cultivar, que é a de se adaptar e produzir em solos de baixa fertilidade.

Diversas espécies, um só pasto

As forrageiras mais utilizadas pelos pecuaristas brasileiros são do gênero Brachiaria e Panicum Maximum, que respondem por cerca de 90% das áreas com espécies tropicais. Desde 1990, a Síndrome da Morte do Braquiarão (Brachiaria brizantha), também chamada de morte súbita, tornou-se uma ameaça à cultivar Marandu e eliminou pastos inteiros em vários estados da Amazônia e do Cerrado. Com isso, vários produtores procuraram o Andropogon como opção para áreas com solos de baixa fertilidade.

Devido à adaptação e resistência à cigarrinha-das-pastagens e nematoides de solo, o cultivo do capim-andropogon ocorre de forma alternativa ou complementar às cultivares de Brachiaria e Panicum em sistemas extensivos de produção animal a pasto, principalmente em áreas de menor fertilidade das propriedades.

“A concentração de poucas espécies e cultivares em extensas áreas, associada à pequena variabilidade genética dentro de cada espécie, mostra-se um risco para a pecuária nacional”, alerta Marcelo Ayres. Foi o que aconteceu com a morte súbita do Braquiarão e com o colapso das pastagens de Brachiaria decumbens, que estavam sendo dizimadas pelo ataque das cigarrinhas das pastagens, também na década de 1980.

Uma das estratégias para lidar com esses problemas é a diversificação de espécies e cultivares de forrageiras plantadas na propriedade. Essa prática permite obter, do ponto de vista produtivo, o melhor de cada espécie ou cultivar. “A BRS Sarandi é uma ótima opção para a diversificação das pastagens em áreas com ataques frequentes das espécies de cigarrinhas. A cultivar também é resistente a nematoides, em especial o Pratylenchus brachyurus, o que possibilita seu uso como planta de cobertura ou em consórcio para o manejo dessa praga”, ressalta Allan Kardec.

Com Embrapa

(Tatiane Bertolino/Sou Agro)