Novo padrão chinês de umidade da soja pode ser obstáculo
Maior importador de soja do Brasil, a China está mudando seu padrão de classificação de grãos de soja, a partir de primeiro de dezembro de 2023. Isto significa que o país asiático deverá exigir apenas soja com umidade máxima de 13%, enquanto o Brasil adota o limite de 14%.
Se este percentual de umidade for uma exigência não referência, a mudança poderá trazer consequências importantes para o Brasil, que é o maior fornecedor de soja para a China. Especialistas em armazenagens de grãos opinam que este é um assunto delicado que requer uma análise cuidadosa.
Para o presidente da ASCLAVE (Associação Brasileira das Empresas e Entidades de Classificação de Produtos Vegetais e Laboratórios de Alimentos), Sinibaldo de Souza e Silva Junior, que é engenheiro agrônomo especialista em classificação de grãos, há dois aspectos principais que merecem atenção com o novo padrão de umidade chinês: a conservação do grão (armazenagem) e a operacionalização dessa medida.
“Em termos técnicos, a redução do teor de umidade para 13% pode ser vantajosa do ponto de vista da conservação dos grãos. A ciência já demonstrou que a umidade controlada contribui para a preservação dos estoques, minimizando os problemas relacionados à restrição dos grãos durante o armazenamento”, afirma ele.
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No entanto, Silva Júnior destaca que, quando analisamos a questão da operacionalização, surgem desafios significativos. Segundo ele, o Brasil possui cerca de 68% de sua capacidade de armazenamento de grãos nas mãos de unidades coletoras, como cooperativas, empresas de trading e armazéns gerais. “Dado o volume de produção e a janela de colheita curta que nós temos, minha preocupação recai sobre o tempo dessas cargas com alto percentual úmido, até a secagem dos grãos atingir os 13% de umidade”, explica ele, acrescentando que quanto mais próximo do limite inferior de umidade, mais difícil se torna a eficiência do processo de secagem, uma vez que a necessidade de água para retirar a soja está menos disponível.
“A redução do limite de umidade para 13% na China pode ser benéfica do ponto de vista da conservação dos grãos, mas apresenta desafios significativos na operacionalização, que podem resultar em perdas para os produtores brasileiros. Essa medida destaca a necessidade de abordar os problemas pós-colheita no Brasil, incluindo a capacidade limitada de armazenamento nas fazendas, que é inferior a 30%”, argumenta.
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DÉFICIT NA ARMAZENAGEM
O presidente da ASCLAVE afirma que o cenário da capacidade estática de armazenamento de grãos no Brasil apresenta um déficit alarmante de aproximadamente 80 milhões de toneladas. Isso significa que uma quantidade significativa de grãos, em especial soja e milho, não encontra um ambiente adequado para conservação e armazenamento. “Essa situação é preocupante, uma vez que o país é um grande produtor desses grãos. Se considerarmos esse déficit em termos práticos, ele equivale a toda a safra de grãos do estado de Mato Grosso, o maior produtor de grãos do Brasil”, acrescenta.
De acordo com Silva Júnior, a umidade é uma variável comercial importante e hoje o produtor está bastante informado sobre a condição de aferição dos aparelhos medidores de umidade. “Um por cento de desconto sobre a produção pode ser um valor significativo. Desde 2013, quando houve a regulamentação e homologação de aparelhos medidores de umidade, melhorou a confiabilidade dos resultados”, enfatiza o presidente da ASCLAVE, referindo-se à Instrução Normativa 402 do Inmetro.
SOJA ÚMIDA
Segundo entrevista concedida a Rede de Rádio do Agro, programa Momento Agrícola, o professor da Unioeste, Flávio Lazari, especialista em armazenagem de grãos, destaca que a soja com 14% de umidade é considerada muito úmida e que essa média esconde uma grande variação entre os grãos. “Dentro da mesma amostra, você pode ter grãos com menos de 12%, mas também com 15, 16 ou até 17% de umidade, que são muito mais suscetíveis ao ataque de fungos e à deterioração do grão. Esses fungos produzem enzimas que alteram a composição química da soja, afetando o seu valor nutricional e o seu rendimento na extração do óleo”, afirma.
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O professor defende que o Brasil deveria adotar o padrão de 13% de umidade para a soja, como já fazem outros países produtores e consumidores – Estados Unidos e Argentina. Ele diz que isso traria benefícios para toda a cadeia produtiva, desde o agricultor até o importador. “Com 13% de umidade, a soja conserva melhor na armazenagem, reduz as perdas por quebra e por deterioração, aumenta o peso líquido do grão, diminui o custo do transporte e do frete e melhora a qualidade do produto final. É um ganha-ganha para todos os envolvidos”, destaca.
Por fim, o professor Lazari recomenda que os produtores e armazenadores brasileiros se preparem para atender aos novos padrões chineses, pois eles podem influenciar os preços e a competitividade da soja nacional no mercado internacional. Ele sugere que se busque informações sobre as melhores práticas de manejo da cultura, desde o plantio até a comercialização, para garantir uma soja com qualidade e rentabilidade.
Para Roney Smolareck, engenheiro agrônomo da Loc Solution, empresa que detém a marca Motomco de medidores de umidade, a comercialização da soja é um tema complexo e que envolve muitos fatores. A umidade da soja é um fator crucial para a qualidade do grão e para o seu aproveitamento na indústria. “Esse é um processo que todos da cadeia do pós-colheita devem estar envolvidos para garantir a qualidade e a segurança do produto”.