Levedura na alimentação de peixes é uma opção econômica e sustentável
O uso de levedura da indústria de álcool na formulação de ração para peixes onívoros, como o tambaqui e o matrinxã, transformando um passivo ambiental em insumo benéfico para o consumo animal é um sucesso, segundo pesquisadores da Embrapa Amazônia Ocidental (AM).
Na análise, se destacaram os níveis de cobre e ferro, que foram, respectivamente, 29% e 35%, superiores aos encontrados no farelo de soja, comumente usado na formulação de rações. De forma prática, a levedura pode ser inserida na formulação e na confecção de rações para peixes onívoros por ser facilmente processada e pela sua qualidade nutricional.
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As leveduras são organismos unicelulares microscópicos, classificados no reino dos fungos, tal como os bolores e os cogumelos. Durante a produção de álcool são responsáveis por converter bioquimicamente a glicose e a sacarose em etanol. A Saccharomyces cerevisiae é uma das mais utilizadas devido ao seu potencial de conversão.
Segundo o pesquisador Jony Dairiki, um dos autores da pesquisa, a levedura pode ser um potencial substituto do farelo de soja na nutrição de peixes, especialmente no estado do Amazonas, uma vez que essa commodity é encarecida pelo frete e, consequentemente, onera o custo das rações para tambaqui e matrinxã. “Na piscicultura, os custos se concentram basicamente na alimentação dos peixes, pois cerca de 50% a 70% dos valores totais de produção são provenientes da nutrição dos animais”, afirma.
O estudo, publicado pela Embrapa no Boletim de Pesquisa e Desenvolvimento 39, visa comprovar a eficácia do produto na ração, substituindo os tradicionais ingredientes. O objetivo geral do trabalho foi descrever de forma minuciosa o processo de obtenção da levedura proveniente de uma indústria de álcool regional e demonstrar o seu uso na formulação de ração para peixes onívoros amazônicos.
A pesquisa descreve de forma minuciosa o processo de obtenção, processamento e inclusão da levedura seca da indústria de álcool em uma formulação de ração para peixes. Dessa forma, determinou-se o nível proteico (27%) e de minerais da levedura avaliada em comparação a outros ingredientes convencionais. Ela contou com a expertise do engenheiro agrônomo e mestre em Ciência Animal Celso Scherer Filho, da empresa sucroalcooleira Celso Scherer & Cia Ltda., localizada em Maués (AM), primeiro autor do Boletim, orientado por Dairiki, pela pesquisadora Cheila Boijink, e pela analista Cláudia Majolo, todos da Embrapa Amazônia Ocidental.
Levedura a partir da cana-de-açúcar
O procedimento padrão adotado para obtenção da levedura consistiu na colheita da cana-de-açúcar com colheitadeira do tipo forrageira acoplada a trator. Nesse momento ocorreram a trituração e deposição da cana-de-açúcar triturada em uma carreta. Posteriormente esse material foi descarregado na indústria para extração da garapa, que é realizada por moenda movida a vapor proveniente de caldeira.
A garapa extraída foi armazenada em dornas de 19 mil litros, à qual, posteriormente, adicionou-se a levedura ativada para o início da fermentação. Um pacote de cinco quilos de levedura selecionada ativa para destilaria, S. cerevisiae, cepa CAT-1, foi despejado em um tanque com capacidade de 2 mil litros, com adição do caldo de cana, de forma controlada, até atingir o volume máximo.
Esse processo, com duração de aproximadamente dois dias, foi realizado para a ativação e a multiplicação da levedura. Após 18 horas de fermentação, observou-se que não havia mais formação de espuma, indicando o término da fermentação, e todo o açúcar foi convertido em álcool. Ao caldo de cana fermentado dá-se o nome de vinho e para o início da destilação é necessário um processo de separação do excesso de levedura do vinho, para que ela não se acumule na coluna de destilação, e essa separação ocorre por meio de uma centrífuga, que separa a levedura do vinho por diferença de densidade.
O líquido mais pesado (que contém a levedura) sai pela parte de baixo da centrífuga; enquanto o vinho, que é mais leve, sai pela parte de cima do equipamento. Após a separação, o vinho é encaminhado para destilação, e a levedura, em forma de líquido espesso, volta para uma nova fermentação. Entretanto, conforme o aumento dos ciclos, a levedura se multiplica, sendo necessário o descarte do material excedente. Desse material descartado se origina a levedura de cana-de-açúcar para o uso nos experimentos de nutrição animal.
Preparação da levedura para uso
Após a preparação da levedura seca foram separadas amostras para análise no Laboratório de Análise de Solos e Plantas (Lasp) da Embrapa Amazônia Ocidental. Nesse processo, foram quantificados os níveis de nitrogênio, potássio, fósforo, cálcio, magnésio, enxofre, cobre, ferro, manganês e zinco seguindo metodologias laboratoriais consolidadas e certificadas. Para fins comparativos, também foram feitas as mesmas análises para ingredientes comumente utilizados na formulação de ração, como os farelos de soja, trigo e milho, além de farinha de carne e ossos, que foram adquiridos em lojas de produtos agrícolas da região.
No intuito de comprovar a possibilidade da inclusão da levedura em rações para peixes onívoros foi formulada, com auxílio de um programa computacional de formulação de rações, SuperCrac 5.1 (TD Software), uma ração experimental com a inclusão desse ingrediente em substituição parcial ao farelo de soja. Para a sua confecção, todos os ingredientes foram moídos e pesados nas quantidades pré-determinadas. Após a secagem e o teste de rentabilidade, verificou-se que a levedura possui 27,03% de rentabilidade de matéria seca pronta para ser incorporada na ração experimental.
O teor de proteína total da levedura seca, no ensaio, foi de 27%. No entanto, esse valor pode ser superior, atingindo até 45% de proteína bruta. Em comparação com a farinha de carne e o farelo de soja, 45% e 37% respectivamente, a levedura de cana-de-açúcar desidratada apresentou teor proteico inferior.
Em relação aos teores de minerais encontrados na levedura, destaca-se o cobre, que foi 29% maior que o encontrado no farelo de soja; assim como o teor de ferro, que foi 35% superior em comparação com esse mesmo ingrediente. A inclusão destes micronutrientes pode ser benéfica à alimentação animal.
Além da qualidade nutricional, a levedura pode apresentar função probiótica. Probióticos são alimentos (ou produtos) que contêm microrganismos vivos que proporcionam benefícios para a saúde e são essenciais para o equilíbrio da microbiota intestinal (também conhecida como flora intestinal). A boa saúde do intestino, mantida por bactérias “do bem” que compõem a microbiota, está relacionada à manutenção da saúde de todo o organismo.
Segundo Dairiki, existem outros tipos de levedura que também são utilizados na indústria de bebidas, como nas cervejarias. No entanto, para que as leveduras sejam, de fato, utilizadas na formulação de rações por produtores locais, deve-se otimizar o beneficiamento na forma líquida, secagem, moagem, pois a maneira como esses procedimentos ocorrem pode alterar as qualidades físico-químicas e nutricionais da levedura. Como são rações produzidas em grandes quantidades, faz-se necessária a adaptação de maquinário de pequeno e grande porte para que a elaboração seja economicamente sustentável.
(Com Embrapa)