ESPECIAIS
Novos projetos de fomento de NPK miram reduzir a dependência internacional
Líder global na exportação de alimentos, o Brasil depende de um insumo central para a produção: os fertilizantes, que em sua maior parte vêm de fora. Mesmo possuindo grandes reservas de matérias-primas para a fabricação desses produtos, o país importa mais de 85% de sua demanda de NPK (sigla dos elementos nitrogênio, fósforo e potássio, principais macronutrientes empregados na agricultura), chegando a 96% quando se trata de fertilizantes potássicos.
Em 2023, segundo a Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda), o país importou 39,4 milhões de toneladas de fertilizantes, contra uma produção interna de 6,7 milhões de toneladas. Esses dados reforçam a posição brasileira no cenário internacional de quarto maior consumidor de fertilizantes, mas maior importador mundial destes insumos. China, Estados Unidos e Índia consomem mais do que o Brasil, mas conseguem atender parte da sua demanda com a produção interna. “Vale lembrar que estes países se prepararam por muitos anos, realizando altos investimentos em indústrias para exportar produtos com alto valor agregado”, lembra o técnico Bruno Vizioli, do Departamento Técnico e Econômico (DTE) do Sistema FAEP.
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Os riscos desta dependência externa ficaram mais acentuados a partir de 2021, quando sanções internacionais contra a Bielorrússia (um dos principais fornecedores de potássio do planeta) paralisaram as exportações daquele país. Na sequência, com a invasão da Ucrânia pela Rússia (outro grande fornecedor global de fertilizantes), a situação se agravou, com a escalada dos preços frente à perspectiva de escassez do produto no cenário internacional. Apesar de a dependência brasileira não ser novidade, esses eventos serviram como um catalizador, acelerando processos institucionais que buscam fortalecer e ampliar a produção nacional de fertilizantes.
NPK
Atualmente, o potássio é o principal nutriente aplicado no Brasil, com participação de 38%, seguido pelo fósforo (33%) e nitrogênio (29%). A soja, carro chefe da safra brasileira, é altamente demandante do potássio importado. No caso do nitrogênio, os produtores brasileiros suprem esta necessidade por meio do uso de inoculantes, que possibilitam que as plantas absorvam esse nutriente diretamente do ar.
Apesar de ser o segundo maior consumidor mundial de potássio, terceiro de fósforo e quarto de fertilizantes nitrogenados, o Brasil conta com vantagens comerciais no processo de importação. A primeira diz respeito à época de compras, que difere da dos principais consumidores desses produtos. Enquanto China, Índia e Estados Unidos concentram seus negócios entre dezembro e abril, as importações brasileiras ocorrem entre junho e julho.
Outro fator que pesa a favor dos produtores brasileiros é o tamanho da agricultura. “Quando a gente importa, somos competitivos. O preço brasileiro é um dos mais baratos do mundo, porque somos grandes e todo mundo quer vender para a gente”, aponta Marcelo Mello, diretor da mesa de fertilizantes da consultoria Stone X. O especialista lembra que o NPK se comporta como uma commodity no mercado internacional. “Quem manda no preço é o mercado externo. Vamos supor que o Brasil se torne um grande produtor de fertilizantes, mesmo assim não venderia por um preço abaixo do que está colocado lá fora”, aponta. Sob esse aspecto, a autonomia na produção brasileira de NPK teria caráter meramente estratégico, uma vez que o impacto econômico na ponta da produção rural seria mínimo.
A facilidade da importação e a disponibilidade no mercado internacional podem ter colocado o setor nacional de produção de fertilizantes em estado de hibernação. Nos últimos dez anos, o Brasil chegou a reduzir a produção de NPK, passando de 9,3 milhões de toneladas em 2013 para 6,7 milhões de toneladas em 2023. Nesse intervalo de tempo houve paralização de unidades produtoras de nitrogenados e de fosfatados, e a produção interna de potássio estagnou. “A gente importa tanto que não somos competitivos em produzir”, resume Mello, da Stone X.
Potássio
A produção mundial de potássio é bastante concentrada. O Canadá detém 30% do mercado mundial. Juntos, Canadá, Rússia, Bielorrússia, Israel e Alemanha respondem por 92% do cloreto de potássio (KCl) comercializado no planeta.
Em 2023, o Brasil importou 13,4 milhões de toneladas de fertilizantes potássicos (cloreto e sulfeto de potássio), enquanto a produção nacional ficou em 363 mil toneladas, vindas da única mina em atividade no país, localizada no município de Rosário do Catete, em Sergipe. Atualmente, segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM), existem 52 processos em fase de requerimento de lavra para potássio no país.
O setor aguarda com expectativa a produção da empresa Potássio do Brasil em Autazes, no Amazonas, que já conta com as liberações e licenciamentos para a construção do empreendimento. A operação deve ter início dentro de quatro anos, após a construção da mina subterrânea e da planta de beneficiamento. A fase de operação tem previsão de 23 anos.
“O projeto tem capacidade estimada em 2,2 milhões de toneladas de cloreto de potássio por ano. Atualmente, o Brasil é dependente de importações e consome cerca de 13 milhões de toneladas. Nossa produção representará aproximadamente 17% da demanda brasileira”, afirma o presidente da Potássio do Brasil, Adriano Espeschit.
As reservas de potássio de Autazes foram descobertas na década de 1970 e a viabilidade da exploração comprovada há mais de dez anos por meio de amostras do solo. “Esse projeto teve que passar por um rigoroso processo de pesquisa técnica e por um levantamento que envolveu fatores econômicos, sociais e ambientais. Foi necessário percorrer esse caminho, atender às normas e cumpri-las para que as licenças fossem emitidas, totalizando 21 documentos”, detalha Espeschit.
“Temos empreendimentos para exploração de fósforo e de potássio em fase de implantação. Vemos que o licenciamento tem sido um dos gargalos. Em muitos dos projetos existe uma judicialização”, analisa o coordenador geral de mineração do Ministério de Minas e Energia, Enir Sebastião Mendes.
Fósforo
Atualmente, segundo a ANM, existem 129 processos em fase de requerimento de lavra para fosfato no país. Apesar da forte dependência externa, atualmente esse é o nutriente com maior produção interna, sendo que o país produziu 1,5 milhão de toneladas de fertilizantes fosfatados (MAP, Superfosfato Simples, Superfosfato Triplo e Termofosfato) em 2023. “O fósforo é o elemento mais limitante do ponto de vista da produção. Apesar da exigência das plantas não ser grande, sua afinidade com o solo o torna o elemento de mais difícil manejo na agricultura”, aponta Vizioli, do DTE do Sistema FAEP.
Segundo o PNF, as reservas oficiais brasileiras deste mineral são da ordem de 5,2 bilhões de toneladas, correspondendo a 460 milhões de toneladas de P2O5 contido. “Temos vantagem logística porque a maior parte dessas reservas estão perto de Minas Gerais e Goiás, ao lado da região consumidora. Essa logística simples compensa a falta de competitividade do nosso fósforo” explica Marcelo Mello, da Stone X.
Nitrogênio
Atualmente existem quatro unidades produtoras de nitrogenados no Brasil, sendo que três delas estão paralisadas. A única planta em operação está em Piaçaguera, em São Paulo, produzindo amônia e nitrato de amônio. A estratégia da Petrobras de reativar suas unidades produtoras de nitrogenados vai ao encontro do PNF. Além da unidade localizada em Araucária, na Região Metropolitana de Curitiba, existem planos para reiniciar as obras da Unidade de Fabricação de Nitrogenados em Três Lagoas, em Mato Grosso, com capacidade para produção de 1,3 milhão de toneladas de ureia e 800 mil toneladas de amônia anualmente.
“Essa planta de Araucária é antiga, com tecnologia ultrapassada e pequena produção. A joia da coroa era Três Lagoas, que começou a construção em 2010, ficou 80% pronta e parou. Essa planta tinha acesso ao gás da Bolívia e está localizada próximo aos centros consumidores. Mas já está com a tecnologia defasada”, observa Marcelo Mello da Stone X.
Recentemente foi anunciado outro empreendimento para produção de nitrogenados no Paraná. A empresa Paranafert anunciou investimento de R$ 3 bilhões para construção de uma fábrica de ureia no município de Sapopema, na região Norte do Paraná. A unidade teria capacidade de produzir 520 mil toneladas de fertilizante por ano, tendo como matéria-prima o carvão mineral.
Projetos de fomento tentam diminuir dependência internacional
O Plano Nacional de Fertilizantes (PNF), do governo federal, tem meta de reduzir a dependência do Brasil em relação aos fertilizantes importados para 55% até 2050. Para isso, o plano elenca ações que devem ser encampadas nas mais diversas esferas (pesquisa, legislativo e instituições financeiras) para a criação de um ambiente favorável para o desenvolvimento interno deste setor.
“O PNF é uma iniciativa que foi lançada no governo anterior [Bolsonaro] e continuou no governo atual [Lula], o que demonstra a sua importância. Um acerto desse plano é que não fala em ‘autossuficiência’, mas em redução da dependência. Afinal, produzir tudo que o Brasil precisa internamente demandaria um investimento muito grande”, avalia o analista sênior do Rabobank Brasil, Bruno Fonseca.
“Vale destacar que esse também é um plano muito atual, pois alia a produção agrícola com a questão ambiental, prevendo a utilização de dejetos e de fontes não poluentes para a produção de fertilizantes”, observa Bruno Vizioli, do DTE do Sistema FAEP.
Outra iniciativa nesta direção foi a publicação do Decreto 10.657/2021, que institui uma série de políticas de apoio, inclusive desburocratizar os processos de licenciamento, à produção de minerais estratégicos, entre os quais figuram o potássio e o fósforo (a produção dos nitrogenados está ligada à produção de petróleo e gás natural).
“Esse decreto consegue ser um facilitador porque coloca as instituições em contato. Por meio dessa interlocução facilita processos, mas sem interferências de uma área sobre a outra e sem alterar a legislação ambiental”, aponta Enir Sebastião Mendes, coordenador geral de mineração do Ministério das Minas e Energia.
Mais recentemente o Projeto de Lei 699/2023 trouxe o Programa de Desenvolvimento da Indústria de Fertilizantes (Profert), iniciativa que concede uma série de benefícios tributários para fomentar a criação de um parque industrial nacional deste segmento. Essa proposta traz benefícios adicionais à produção de nitrogenados, uma vez que desonera o gás natural.
(Com FAEP)