ESPECIAIS
Extratos vegetais podem inibir vírus que causa doença grave em caprinos
Uma nova pesquisa mostra resultados promissores com o uso de extratos vegetais para inibição do vírus causador da artrite encefalite caprina (CAE), uma das doenças que mais impactam rebanhos dessa espécie. Testes realizados em laboratórios da Embrapa Caprinos e Ovinos (CE) e da Universidade Estadual do Ceará (Uece) com extratos obtidos a partir do nim (Azadirachta indica) e do cinamomo (Melia azedarach) mostraram redução de até 1.000 vezes na quantidade de partículas virais do lentivírus no leite de cabra e em até 800 vezes no colostro dos animais.
Esses resultados indicam que os extratos de vegetais têm potencial para uso em novas etapas de testes no futuro, dessa vez como compostos na produção de medicamentos antivirais para aplicação nos caprinos. Caso esses medicamentos também apresentem bom desempenho, se tornarão alternativas biológicas para controle da CAE no leite e no colostro, que são uma das principais formas de transmissão do vírus para as crias de caprinos.
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Os resultados da pesquisa foram publicados em artigo neste ano na revista científica Scientific Reports, da Nature. Uma das principais vantagens de um medicamento antiviral é ampliar o controle do lentivírus, além de torná-lo mais acessível a diversos produtores rurais que não têm estrutura ou acesso a equipamentos para realizarem processos como termização ou pasteurização do leite e colostro em suas propriedades.
Os testes para avaliação de uso dos extratos para inibição da atividade viral foram conduzidos pela bióloga Ana Lídia Sousa, em pesquisa para sua tese de doutorado em Ciências Veterinárias, pela Uece. Ela teve como coorientador do trabalho o pesquisador Rizaldo Pinheiro, da Embrapa Caprinos e Ovinos, e desenvolveu parte dos experimentos em laboratório da Empresa.
Sousa reforça que a intenção é produzir, no futuro, material que possa ser levado para a indústria farmacêutica e comercializado em larga escala, pois os processos existentes para inativação do vírus no leite e colostro (pasteurização e termização) não são universalmente acessíveis a produtores rurais brasileiros, especialmente os que têm dificuldade de acesso à energia elétrica, mão de obra qualificada ou a equipamentos.
“Por isso, temos essa vontade de produzir um medicamento antiviral que facilite a vida do produtor. Um produto já padronizado e comercializado, uma maneira mais fácil de inativar o vírus, sem que se precise de tanta mão de obra”, ressalta ela, que é professora da Faculdade de Educação da Ibiapaba (Faedi).
Pinheiro chama a atenção também para o fato de que a termização ou pasteurização podem causar problemas ao inativar imunoglobulinas importantes para a imunidade de cabritos ou cordeiros. “Além disso, são processos que exigem equipamento, tempo e, para buscar alternativas, pensamos em extratos vegetais para inativar esse vírus”, complementa.
Nos testes, o leite e o colostro, coletados de rebanho da Embrapa, foram infectados experimentalmente com o lentivírus caprino. Em seguida, as amostras foram submetidas aos extratos vegetais, na fase chamada de “cultivo”, no qual foi possível observar, ao longo de um processo de 63 dias, se havia atividade antiviral.
Os resultados confirmaram a hipótese dos pesquisadores, em testar extratos de vegetais que já haviam manifestado, em pesquisas, potencial de redução da atividade de outros vírus. “O interesse de usarmos esses extratos vegetais surgiu do fato de já terem apresentado ação antiviral com outros vírus como os da dengue, zika, gripe e até mesmo, em alguns estudos, com o HIV”, afirma Sousa.
Para Pinheiro, um aspecto importante dessa alternativa é buscar a inativação da atividade viral no leite e no colostro, que são os principais canais de transmissão. “Existem outras, por meio de contatos prolongados entre animais ou via sêmen, já que o vírus está presente em secreções e excreções. Mas essa é a principal via”, frisa o pesquisador.
Alternativas, como os chamados coquetéis antivirais utilizados na medicina humana para controle do HIV – que também é um tipo de lentivírus –, não são aceitas na Medicina Veterinária, especialmente para animais de produção porque podem deixar resíduos no leite de cabra, por exemplo.
Novos testes para obtenção de medicamentos
O resultado bem-sucedido dos testes de vegetais em laboratório estimula a equipe de pesquisa a realizar novos experimentos, dessa vez com animais, para melhor comprovar os efeitos desses compostos vegetais nos organismos. Um primeiro trabalho dessa natureza já foi iniciado no programa de pós-graduação de Ciências Veterinárias da Uece, também em parceria com a Embrapa Caprinos e Ovinos.
De acordo com a professora Maria de Fátima Teixeira (Uece), que orientou a tese de Ana Lídia e dá sequência ao trabalho de pesquisa, essa nova etapa é necessária para alcançar metas mais precisas e avaliar a possibilidade de aplicação prática em rebanhos comerciais. “Esse trabalho constitui uma fase a mais a ser realizada, com variações de dosagem e ajustes. A perspectiva mais desejada é a obtenção de um produto comercial para ser usado na rotina do manejo nos rebanhos de pequenos ruminantes do Ceará e outros estados brasileiros e, quiçá, em outros países”, destaca.
Pinheiro endossa que o interesse é buscar alternativas para redução ainda maior de carga viral ou até eliminação do vírus sem comprometer a qualidade do leite e do colostro. Ele acrescenta que as pesquisas com caprinos e ovinos podem até colaborar para linhas de pesquisa em saúde humana, uma vez que o vírus causador da aids (HIV) também é um tipo de lentivírus, com semelhanças entre ele e os que atacam os pequenos ruminantes.
“Determinadas pessoas têm intolerância ou criaram resistência ao efeito das medicações para o vírus da Aids. Seria muito importante um medicamento que pudesse ajudar a reduzir a carga viral do HIV e, consequentemente, o efeito da própria doença”, explica o pesquisador.
Em caprinos e ovinos, os lentivírus são agentes que podem causar a CAE e a Maedi-visna [veja quadro sobre como prevenir essas doenças ao final do texto]. Outros tipos de lentivírus afetam animais de diferentes espécies, causando doenças como a Aids em humanos (vírus HIV), a Aids Símia em macacos, a Anemia Infecciosa Equina (AIE), e a Imunodeficiência em Felinos (vírus FIV).
Desafios para controle da CAE
A Artrite Encefalite Caprina é uma doença que ainda não tem cura, causando perdas produtivas e afetando a qualidade do leite. A sua disseminação em rebanhos brasileiros se constitui em um desafio para a pesquisa agropecuária brasileira, na busca de alternativas de controle.
Para a professora Fátima Teixeira, é um desafio lidar com uma doença que ainda não possui vacina ou tratamento disponível comercialmente, o que dificulta a aplicação da maioria das medidas recomendadas para controle de enfermidades transmissíveis. “O animal, após acometido, continuará nesse status até o final da vida e ainda sofrerá danos produtivos influenciando no decréscimo econômico da produtividade da espécie ovino-caprina”, frisa ela.
O controle da doença requer atenção a orientações de manejo sanitário para minimizar perdas produtivas. A busca por medicamentos para inibição da atividade viral surge como alternativa para que os rebanhos possam conviver com a CAE, reduzindo os impactos dos sintomas na produção e no quadro de saúde dos animais.
“Essa enfermidade, infelizmente, está disseminada pelo País. Inúmeros rebanhos caprinos leiteiros já têm o problema, existem perdas significativas de produção de leite, emagrecimento e isso compromete a produção. Com essas pesquisas, temos condição de minimizar essas perdas, reduzindo a carga viral, promovendo retardo no aparecimento dos sintomas clínicos e, consequentemente, o bem-estar animal, com maior produção”, acrescenta Pinheiro.
Artrite encefalite caprina (CAE)
A doença pode ser transmitida pelo consumo de leite e colostro infectados; por contato direto entre animais; pelo refluxo de leite contaminado em máquinas de ordenha desreguladas; por mãos, toalhas, agulhas, tatuadores, equipamento de descorna contaminados e pela inseminação artificial.
Para prevenir a transmissão da CAE, são recomendadas algumas medidas para impedir que o animal venha a ter contato com a doença: evitar comprar animais de propriedades e áreas infectadas; não introduzir animais sem a devida sorologia; realizar, anualmente, avaliações clínica e sorológica nos rebanhos.
Com Embrapa