Plantação de goiaba em Carlópolis. Foto:Jaelson Lucas / AEN
AGRICULTURA

Cultivo inovador destaca goiaba produzida por agricultores em cidade paranaense

Cultivo inovador destaca goiaba produzida por agricultores em cidade paranaense
Tatiane Bertolino
Tatiane Bertolino

Circular por uma plantação de goiaba em Carlópolis, no Norte Pioneiro do Paraná, pode ser uma experiência inusitada: milhares de mudas divididas em talhões de diferentes tamanhos, com todas as frutas ensacadas, uma a uma, ainda no pé. Este é o retrato das técnicas que fazem com que os produtores da cidade consigam colher, ao longo do ano todo e sem abuso de insumos agrícolas, goiabas mais doces, resistentes e maiores.

Por causa destas características, Carlópolis foi titulada por uma Lei Federal, em setembro deste ano, como a Capital Nacional da Goiaba. Um reconhecimento que se soma a outros marcos relacionados à qualidade da fruta produzida na cidade, como o selo de Indicação Geográfica (IG) do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) conquistado em 2016. Na ocasião, a concessão foi feita em tempo recorde de sete meses, o mais rápido entre todas feitas pelo instituto.

A técnica de escalonamento das podas das árvores, que faz com que uma propriedade tenha mudas em diferentes etapas da colheita, permite cultivo perene ao longo de todo o ano, driblando a sazonalidade da fruta que derrubava os preços na época tradicional de safra, entre os meses de fevereiro e maio. Já o ensacamento das frutas ainda no pé, durante o período de maturação, protege a produção das pragas mesmo com redução do uso de pesticidas.

A prática dá maior segurança ao consumidor e agrega valor ao produto. “A minha produção mudou desde que eu comecei a fazer o planejamento das podas e o ensacamento das frutas. Ela tem mais saída, com um preço melhor”, conta o produtor Reinaldo Marins de Oliveira, que tem mais de 3,8 mil goiabeiras nas suas propriedades.

IMPACTO

As técnicas foram desenvolvidas a partir das orientações de órgãos como o Sebrae Paraná e do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-PR) e melhoraram o cenário da produção local. De acordo com dados do Departamento de Economia Rural (Deral), em dez anos, a produção total e a rentabilidade dos agricultores se multiplicaram em Carlópolis.

De 2013 a 2022, o volume total de produção de goiaba no município saiu de 6,4 mil toneladas para 38 mil toneladas e o valor médio faturado por tonelada aumentou de R$ 2 mil para R$ 3,8 mil no período. A evolução fez o Valor Bruto da Produção (VBP) da goiaba em Carlópolis saltar de R$ 12 milhões para R$ 129 milhões ao longo da década, partindo de uma participação de 6% na produção agrícola do município para 25%.

Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Carlópolis é atualmente responsável por 70% das goiabas colhidas em todo o Paraná. No Brasil, a cidade está entre as dez maiores fornecedoras da fruta, com 3,6% da produção nacional. Como a fruta paranaense tem alto valor médio, a colheita de Carlópolis representa financeiramente 6% de toda a goiaba produzida no Brasil.

Por ser uma atividade pouco mecanizada e realizada principalmente por agricultores familiares ou pequenos produtores, a produção envolve muita mão de obra local. “É o carro chefe da produção agrícola do município, que também é um grande produtor de café. Mas pelas características da atividade, a goiaba envolve mais de 5 mil trabalhadores na cidade, o que representa cerca de 30% do contingente do município”, explica o técnico da Secretaria Municipal de Agricultura, Pecuária e Meio Ambiente de Carlópolis, Elias Benedetti.

Como maior parte dos custos de produção estão ligados à mão de obra, boa parte da riqueza arrecadada com a comercialização das frutas acaba circulando dentro do município, impulsionando a economia local. “É diferente de uma cultura como a soja ou o milho, em que os custos estão ligados a insumos importados. No caso da goiaba, há maior geração de emprego e distribuição da renda”, completa o secretário Benedetti.

INDICAÇÃO GEOGRÁFICA

O trabalho de padronização das frutas produzidas na cidade é liderado pela Associação de Orelicultores e Fruticultores de Carlópolis (APC), que conduziu o processo de concessão da Indicação Geográfica. Além dos procedimentos técnicos de cultivo, os produtores associados também adotaram práticas que garantem a rastreabilidade de procedência dos frutos. Cumprindo os pré-requisitos, as frutas produzidas podem ser comercializadas com o selo de IG.

“São 42 associados, cerca de 10% de todos os produtores de Carlópolis. É uma proporção relativamente pequena, mas suficiente para garantir a boa procedência da goiaba daqui e, com isso, balizar um preço mínimo mais valorizado a todos que produzem goiaba na cidade”, explica a presidente da associação, Geisiely Amorim de Oliveira.

Como resultado do trabalho feito em conjunto entre os agricultores da APC, a fruta do Norte Pioneiro chega aos estados de São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Minas Gerais.

EXPORTAÇÃO

Outro coletivo que ajuda a goiaba do município a romper fronteiras é a Cooperativa Agroindustrial de Carlópolis (COAC), que conquistou a certificação Global Gap. O selo atesta que boas práticas estão sendo realizadas no cultivo da fruta e abre portas para o mercado exterior, principalmente europeu. São cerca de 40 cooperados, sendo que 12 deles têm o selo para exportar o produto.

“Estamos há três anos com esta certificação, vendendo goiaba para Portugal, Inglaterra e outros países. O volume exportado é pequeno, mas ajuda a estabelecer um padrão de qualidade local e a divulgar a goiaba de Carlópolis pelo mundo”, explica o engenheiro agrônomo da COAC, Rodrigo Viana.

O trabalho coletivo dos produtores na cooperativa e na associação, orientados pelo IDR-PR, também ajuda na busca por recursos para melhorar a produção, distribuição e comercialização do produto. A partir de um projeto elaborado pela COAC, os produtores locais receberam um repasse de R$ 386 mil em 2021 pelo programa Coopera Paraná, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento. O valor foi usado para melhorar a estrutura da cooperativa e melhorar a logística de distribuição dos produtos.

BOA FAMA

Além do esforço dos produtores locais, as características naturais da goiaba de Carlópolis fazem dela um produto que se diferencia. Segundo a extensionista do IDR, Luiza Rocha, a fruta plantada e colhida na região é da variedade chamada Suprema e tem aspectos particulares que facilitam a comercialização e agradam os consumidores. “É uma goiaba de coloração avermelhada, que possui uma boa vida pós-colheita, tem o aspecto um pouco rugoso. Essa variedade é muito saborosa e crocante”.

As condições climáticas da região, com temperaturas altas o ano todo, o solo propício e uma irrigação cuidadosa também fazem com que a fruta seja grande e vistosa, com um tamanho médio de 250 gramas, mas com unidades que passam das 700 gramas. “Ela é mais graúda, tem um formado arredondado e aguenta a banca. É crocante e a resistente no mercado”, explica o produtor Marildo Garbeloto, que planta goiabas há mais de 20 anos.

DIVERSIFICAÇÃO

Apesar da casca mais rígida da goiaba de Carlópolis deixá-la mais resistente, a cultura da fruta ainda é um trabalho delicado. A comercialização pode ficar comprometida dependendo do visual do produto e do tempo de maturação.

Para aproveitar as frutas que podem ser consideradas passadas para comercialização, as famílias geralmente reaproveitam parte da colheita para fazer produtos derivados da goiaba, como doces, geleias e pastas.

O caso da professora aposentada Nifa Aparecida Amorim é um exemplo disso. Por cerca de 20 anos, ela aproveitava algumas frutas da plantação da família para fazer goiabada para a família. Assim que se aposentou, foi incentivada pela vizinhança para legalizar o negócio e comercializar os produtos. “Começou com as goiabas que estavam maduras e não iam pra venda. Hoje eu faço goiabada em barra, cascão, geleia. Vendemos em alguns mercados da região e entrego na merenda escolar do município”, explica.

A produção dos doces funciona como uma renda extra, baseada nos produtos com maior valor agregado, que se complementa à produção da goiaba das famílias.  O produto é totalmente natural, sem conservantes, feito apenas com goiaba, açúcar e limão. Para os doces entregues para a rede municipal de ensino, é feito um acompanhamento com nutricionistas da prefeitura, que limitam o uso de açúcar.

TURISMO

Tão importante quanto a produção rural, o turismo é um dos pilares da economia de Carlópolis. A principal atração é a Represa de Chavantes. A inundação de 60 mil hectares criou um corpo de água calma que chama a atenção dos visitantes que buscam contato com a natureza.

Pensando em aproveitar este potencial turístico, aliado à produção das frutas, o casal Agostinho e Rosana Longo resolveu inovar. Eles criaram a G&R Cachaçaria, um alambique aberto para visitações, que produz cachaça de goiaba ao modo de destilação americana. “O destilado americano usa o açúcar de qualquer fruta para a produção de bebida. Muitas pessoas pensam que é uma cachaça normal que nós misturamos a goiaba. Não é isso. Nós usamos a proporção de açúcar da fruta para transformar em álcool e, depois, em cachaça”, explica Agostinho.

A produção é feita com o excedente de produção de goiaba dos vizinhos e com a água do riacho que passa pela propriedade. “A produção de cachaça demanda o uso de água fresca, em uma temperatura baixa. Temos a sorte de ter água nestas condições dentro do nosso sítio”, afirma o produtor. O processo é artesanal. 60 quilos de goiaba e cerca de 50 litros de água rendem, aproximadamente, cinco litros de cachaça. A produção da bebida leva de 15 a 30 dias, dependendo do período do ano.

De acordo com Rosana Longo, o casal levou aproximadamente dois anos desenvolvendo o produto. “Foi na tentativa e erro, até a gente acertar as quantidades e o tempo de cada etapa”.

A cachaçaria ainda trabalha para dar escala à produção, mas a atividade atual já foi suficiente para que Rosana e Agostinho deixassem seus empregos anteriores para se dedicar exclusivamente à fabricação da bebida. “As pessoas que experimentam, gostam. Hoje a gente tem muito orgulho do resultado final”, completa Rosana.

Com AEN

(Tatiane Bertolino/Sou Agro)