Foto: João Roberto Oliveira

Citricultores ganham sistema orgânico de produção de lima

Tatiane Bertolino
Tatiane Bertolino
Foto: João Roberto Oliveira

Especialistas da Embrapa e parceiros desenvolveram mais um sistema orgânico de produção de frutas, o da lima ácida Tahiti, popularmente conhecida como limão Tahiti. O sistema orgânico para a produção dessa fruta, uma das principais exportadas pelo Brasil, foi elaborado com base nos experimentos realizados na área da empresa Bioenergia Orgânicos, em Lençóis, na Chapada Diamantina (BA), sendo recomendado para essa região, mas a proposta é que sirva de modelo e possa ser ajustado para outros polos produtivos do País, já que contempla os princípios básicos da produção orgânica.

Os experimentos registraram produtividade de 30 toneladas por hectare (t/ha), no sexto ano, valor superior aos registros da média nacional no modo convencional, em torno de 26 t/ha. O número é bem superior à produtividade média do estado da Bahia, que em 2021 ficou próxima a 12 t/ha (IBGE), o que também pode ser explicado pelo uso de irrigação no trabalho conduzido em Lençóis.

Embora o rendimento seja similar à média brasileira, esse resultado foi comemorado pela equipe de pesquisa, pois representa mais um incentivo ao cultivo orgânico e à sustentabilidade da agricultura brasileira. Há um fator que deve ser ponderado quando se compara o cultivo sob manejo orgânico ao convencional: a não utilização de insumos químicos sintéticos, os quais facilitam a produção.

“Nosso objetivo com esse documento não é obter produtividades muito maiores, mas conseguir desempenho competitivo em relação ao pomar convencional, na base de um sistema orgânico, mais amigável ao meio ambiente e aos trabalhadores”, pontua Eduardo Girardi pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura (BA), editor técnico do documento com a pesquisadora Ana Lúcia Borges. A publicação reúne um conjunto de informações técnicas sobre cultivares, produção de mudas, calagem, gessagem e adubação, implantação do pomar e plantio, tratos culturais, manejos da irrigação, doenças, nematoides e pragas, além de colheita, beneficiamento, embalagem e mercado. Ao todo 16 profissionais assinam o documento, entre eles pesquisadores da Embrapa, um fiscal agropecuário da Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (Adab) e um sócio da Bioenergia Orgânicos.

O sistema é mais um resultado do projeto Desenvolvimento de sistemas orgânicos de produção para fruteiras de clima tropical, conduzido em parceria desde 2011 em parceria. Esse trabalho conjunto já desenvolveu sistemas orgânicos de produção para abacaxi, maracujá e manga.

A escolha da lima ácida Tahiti
A cultura dos citros foi incluída no projeto em 2014. Girardi destaca que dois preceitos básicos são levados em consideração na hora de se implantar um sistema orgânico: ser uma região preferencialmente livre das principais pragas e doenças da cultura e contar com variedades ou espécies que sejam mais resistentes a essas ameaças fitossanitárias. E esse sistema alia os dois.

“A Chapada Diamantina é livre de várias pragas e doenças complexas da cultura, como o HLB huanglongbing (HLB)e o cancro cítrico, causadas por bactérias, a morte súbita e a pinta-preta. Isso facilita muito o trabalho, porque implantar sistemas orgânicos onde existem essas doenças é muito mais desafiador. Além disso, entre os citros, que incluem também laranja, tangerina, limão e pomelo, a lima ácida Tahiti é mais resistente a algumas pragas e doenças. É imune, por exemplo, à leprose, causada por vírus, à mancha marrom e à pinta-preta, causadas por fungos e à Clorose Variegada dos Citros, a CVC.” Ela é também menos suscetível ao cancro cítrico, por isso, é uma cultura mais interessante por ser mais fácil de manejar. No orgânico, então, facilita e muito a vida do produtor, tanto é que é uma das fruteiras mais utilizadas nesse sistema de produção no País.

O sócio da Bioenergia Orgânicos Osvaldo Araújo, um dos autores do documento, acrescenta que, a partir do momento que se decidiu pela lima ácida Tahiti, foi adotada uma série de cuidados, já que se trata de uma cultura sensível ao clima e requer condições específicas para um bom desenvolvimento. As variações de temperaturas muito baixas ou muito altas podem afetar negativamente o crescimento e a produção. “A região da Chapada Diamantina costuma apresentar variações climáticas, com períodos de chuva intensa e outros secos. Foi necessário implementar um sistema de irrigação adequado para fornecer água de forma regular e controlada, sendo necessário monitorar a umidade do solo, pois tanto o excesso quanto a falta prejudicam o ciclo da cultura”, completa.

Variedades avaliadas
Os experimentos tiveram início em julho de 2014 e seguiram até 2021, totalizando 1.175 plantas, com irrigação por gotejamento. O pesquisador João Roberto Oliveira, que conduziu as atividades, conta que foram avaliados 16 porta-enxertos – variedades que correspondem à parte radicular da planta de citros –, em sua maioria novos híbridos em desenvolvimento, em combinação com o clone CNPMF-02 . Trata-se da copa, parte aérea da planta de citros), obtido e recomendado pela Embrapa e amplamente adotado na Bahia, no espaçamento de plantio de 7,0 metros x 3,0 metros.

“Pudemos verificar a importância do porta-enxerto. Em função dele, a planta se desenvolvia de forma diferente. Vários aspectos são analisados: tamanho do fruto, qualidade do fruto em relação à casca, quantidade de frutos por planta, desenvolvimento da copa – quanto menor, mais fácil a colheita –, enfim, tudo isso são fatores importantíssimos na produção, não só de lima ácida, mas de qualquer produto. E vimos que os porta-enxertos que se destacaram mais foram os citrandarins Riverside, Indio e San Diego, o limoeiro Rugoso Maranhão, além dos híbridos BRS Victoria e HTR – 010”, conta Oliveira.

O documento do sistema de produção traz o resultado dos experimentos na Chapada Diamantina e também dados gerais dos porta-enxertos comerciais mais utilizados para a limeira ácida Tahiti no País. Os porta-enxertos devem ser adaptados às condições ambientais da região em que serão utilizados, tolerantes a doenças, e indutores de alta produtividade e qualidade de frutos. A publicação indica que, como não existe um único porta-enxerto capaz de atender completamente a todas essas condições, os pomares devem ser planejados de modo a diversificar os porta-enxertos, contribuindo para a sustentabilidade da cultura, e descreve os mais utilizados em geral pela citricultura brasileira.

Preparo e manejo do solo
A base do sucesso da produção em sistema orgânico é o preparo do solo, o qual deve ser manejado adequadamente, com redução do revolvimento e manutenção da cobertura vegetal (viva ou morta). A publicação enumera as principais exigências da limeira ácida Tahiti, que se adapta bem a diversos solos. Os mais indicados para o seu cultivo são os de textura franco-arenosa a franco-argilosa, com boa aeração, profundos e sem impedimentos de ordem física. Em Lençóis, a limeira ácida Tahiti vem apresentando bom desenvolvimento sob produção orgânica em uma área irrigada e adequadamente manejada sobre um latossolo, naturalmente muito pobre em nutrientes.

Ana Lúcia Borges conta que o preparo do solo se iniciou quase dois anos antes de efetivamente se introduzir a cultura. “Primeiro fizemos a calagem e gessagem com base na análise química para corrigir o solo e depois entramos com as plantas melhoradoras, cuja finalidade é condicionar uma boa estrutura do solo e aumentar o teor de matéria orgânica. Implantamos coquetéis vegetais compostos por leguminosas, como feijão-de-porco, mucuna-preta e crotalária júncea, e gramíneas, como milheto e sorgo forrageiro, que demonstraram excelentes desenvolvimentos vegetativos”, acrescenta.

Segundo a pesquisadora, um dos grandes problemas do cultivo das fruteiras orgânicas nesses solos pobres em nutrientes é a questão do potássio. “A fonte de potássio permitida no sistema orgânico, o sulfato de potássio, obtido por procedimentos físicos, é importada e, por isso, tem um custo alto. No documento, apontamos algumas alternativas de baixo custo, como cinzas de madeira e estercos e também as espécies vegetais, como as leguminosas e gramíneas. Soluções adequadas para pequenas áreas, para o agricultor familiar”, destaca.

A importância das mudas sadias
O sistema de produção preconiza que mudas sadias são fundamentais para que a atividade seja iniciada com pleno potencial de alcançar sucesso. Por esse motivo, somente mudas produzidas em ambiente protegido são recomendadas. As mudas podem ser adquiridas de viveiros comerciais ou produzidas em viveiro do próprio citricultor, como fez a Bioenergia.

“A lima ácida Tahiti, desde a definição de plantar essa espécie, nos trouxe preocupações, pois é uma cultura muito delicada. Tivemos que produzir as mudas internamente em estufa com telado antiafídeo com orientação e supervisão dos pesquisadores da Embrapa”, complementa Araújo.

Desafios fitossanitários
O maior desafio para implantação de um sistema orgânico de produção é o controle de pragas e doenças, tendo em vista a impossibilidade de uso de defensivos químicos. É preciso haver o manejo da vegetação natural, o manejo nutricional e o monitoramento populacional constante das pragas e dos inimigos naturais. Nas condições de Lençóis, o primeiro problema fitossanitário da espécie enfrentado foram as formigas cortadeiras.

“Testamos e validamos um produto registrado no Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) para agricultura orgânica. Passamos mais de um ano testando, ajustando principalmente a parte de como aplicar a isca granulada à base de extrato natural de Tephrosia candida, matéria-prima desse produto biológico utilizado para controle de formigas cortadeiras. E foi um sucesso”, relata o pesquisador Antonio Nascimento.

Ele diz que foi desenvolvida também uma calda saponificada, formada por álcool etílico, soda cáustica e óleo vegetal, que funcionou bem para diferentes pragas, não só na limeira ácida Tahiti como em outras culturas. O documento traz informações sobre como preparar a calda, ilustradas com fotos. A lima ácida Tahiti, por exemplo, é suscetível à ortézia, espécie de cochonilha que suga a seiva da planta, injeta toxinas e provoca o aparecimento da fumagina sobre folhas, frutos e ramos. Os frutos se tornam aguados, a planta definha e pode até morrer. A calda saponificada, conforme destaca o pesquisador, controlou adequadamente esse inseto.

O pesquisador salienta ainda a importância do monitoramento constante no controle de pragas e doenças no sistema orgânico. “A questão da aplicação de produtos orgânicos requer uma frequência maior. Em vez de aplicar de mês em mês, é preciso aplicar de 15 em 15 dias; em alguns casos, semanalmente”, diz Nascimento.

Araújo também ressalta que manter o pomar livre de ataques de pragas e doenças é o maior desafio para o desenvolvimento da cultura. “Durante esses anos, conseguimos, com controle rígido, manter o pomar livre de ataques, porém em 2020 iniciou-se um ataque severo de alguns insetos, como ortézia, pulgão e mosca negra. Para contornar a situação, implantamos um programa de controle integrado, envolvendo medidas preventivas, como poda adequada, uso de produtos fitossanitários quando necessário e monitoramento regular do pomar.”

O sistema de produção traz informações sobre as principais pragas e doenças da cultura, não só as identificadas na região da Chapada Diamantina, e suas formas de controle. Há também informações sobre manejo de nematoides, popularmente conhecidos como vermes. As doenças incluem as causadas por bactérias, fungos e vírus. O documento enumera ainda as doenças em pós-colheita e desordens fisiológicas.

Agricultura orgânica no Brasil
Entre 2012 e março de 2021, o número de estabelecimentos agrícolas no País dedicados à produção orgânica cresceu cerca de 300%, atingindo 24,7 mil propriedades com mais de 1 milhão de hectares cultivados, conforme dados do Mapa. Do total de propriedades com agricultura orgânica cadastradas no Ministério da Agricultura e Pecuária, 10% e 25% registraram, em 2021, alguma atividade com cultivo orgânico de outros citros e limão, respectivamente.

Para ser considerado orgânico, o produtor precisa utilizar técnicas ambientalmente sustentáveis, com proibição do uso de agrotóxicos e adubos químicos solúveis e deve seguir o que está disposto na Lei no 10.831, de dezembro de 2003, bem como nas instruções normativas e na Portaria 52/2021, e fazer parte do Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos do Mapa.

Não há informações oficiais sobre a quantidade da produção orgânica de limões e limas ácidas no Brasil. Em todo o mundo, de acordo com dados de 2021 da Federação Internacional dos Movimentos de Agricultura Orgânica (Ifoam), aproximadamente 30 mil hectares de limões e limas ácidas estão sob manejo orgânico, o que equivale a 2,2% da área cultivada dessas culturas no mundo. Com base nesse percentual, a estimativa, segundo Ana Lúcia Borges, é que, no Brasil, em torno de 1,3% da área desses citros seja cultivada em sistema orgânico, o que representa cerca de 760 hectares, e o estado da Bahia conta com a maior área.

“A produção ainda é muito incipiente, mas o objetivo da elaboração desse sistema de produção é justamente contribuir para o crescimento do cultivo orgânico da lima ácida na região da Chapada Diamantina e, ao mesmo tempo, influenciar outras regiões brasileiras”, afirma a pesquisadora que representa a Embrapa na Comissão de Produção Orgânica da Bahia, fórum composto por membros de entidades governamentais e não governamentais.

A lima ácida no Brasil e no mundo
No ranking da produção mundial de lima ácida Tahiti, o Brasil foi, em 2020, o maior produtor. Entretanto, considerando todas as frutas cítricas ácidas (limas e limões), ocupou a quinta posição, respondendo por 7,42% da produção mundial, com 1.585.215 toneladas em 58.438 hectares colhidos, de acordo com dados de 2020 da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

Em 2021, os principais estados produtores foram São Paulo, Minas Gerais, Pará e Bahia, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Somente em São Paulo, a produção foi de 1.073.437 toneladas, em 32.564 hectares colhidos, sendo que a lima ácida Tahiti respondeu por cerca de 90% da área cultivada com frutas cítricas ácidas nesse estado, segundo o Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus). Ela ocupa a quarta posição em exportação entre as frutas frescas brasileiras, atrás apenas de manga, melão e uva, conforme dados de 2019 disponíveis na plataforma Comex.

Com Embrapa

(Tatiane Bertolino/Sou Agro)

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