Pisicultor dá exemplo de como o conhecimento transforma vidas de famílias no meio rural
“Quem conheceu minha infância, não podia imaginar que eu conseguiria conquistar o que tenho hoje. Nunca pude usar um chuveiro elétrico e nem um ar-condicionado. Passei a ter as coisas que nunca tive na vida graças ao que ganho aqui, na propriedade rural. Tiro tudo daqui”.
A conquista de um chuveiro elétrico pelo produtor Derci dos Santos Bezerra, de São Miguel do Tocantins (TO), é apenas um exemplo de como o conhecimento produtivo transforma vidas de famílias no meio rural.
Mas até o sonho virar realidade com a ajuda do Senar, muitos foram os desafios. E o primeiro deles foi descobrir a vocação do local, da propriedade, e a decisão do que produzir.
Quando comprou a Chácara Gaivota, no povoado Imbiral, localizada na região conhecida como Bico do Papagaio, na divisa do Maranhão, Derci tinha o objetivo de criar gado. “Trabalhei com a pecuária durante três anos até entender que aquela atividade não fazia parte da minha vocação”.
Quando ainda estava na dúvida do que poderia substituir a criação de gado, os vizinhos e um irmão já investiam no cultivo de peixe. Derci ainda trabalhava como eletricista no Maranhão, mas queria sair do emprego e tirar o sustento da propriedade.
Decidiu então pela piscicultura. Sem ter ainda o conhecimento técnico suficiente, o produtor colocou os peixes das espécies tambacu e tambaqui nos três tanques que conseguiu fazer. “Continuei nessa luta sozinho e com as minhas economias fui fazendo outros tanques”.
Ainda trabalhando como eletricista, Derci Bezerra insistia na piscicultura mesmo não conseguindo renda suficiente para sustentar sua família só com a atividade. “O que eu lucrava com a venda do peixe, investia na propriedade. Eu ainda vivia do meu emprego, mas meu sonho era depender totalmente da renda na propriedade”.
A transformação com o Senar – Em 2009, Derci e sua família se mudaram para a Chácara Gaivota e ele passou a se dedicar 100% a ela. Foram idas e vindas, ganhos e perdas, até que, em 2019, o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) de Tocantins o procurou para participar de um grupo de piscicultores do povoado Imbiral que receberia a Assistência Técnica e Gerencial (ATeG).
Derci afirma que até então não sabia da existência do Senar e ficou desconfiado quando o técnico de campo chegou em sua propriedade fazendo várias perguntas. “Não fazia ideia de como seria o trabalho. Ele me fazia muitas perguntas e eu respondia. ‘Pra que tanta informação?’. Logo percebi que era de confiança. Ele não impôs nada, fez a proposta de como poderíamos trabalhar e eu aceitei”.
O supervisor da ATeG do Senar/TO na região de Imbiral, Vicente Neto, que na época realizava o atendimento de Derci, explica que desde o início o piscicultor deixou claro que o seu principal objetivo era elevar o ganho do peso médio dos animais. “O produtor produzia peixe há mais de dez anos. Mostrei que não era ruim a forma dele produzir, mas que seria possível aumentar a produtividade e a renda utilizando a estrutura que ele já tinha”.
Para identificar as mudanças necessárias no processo, Vicente conta que fez um diagnóstico produtivo individualizado da propriedade e verificou que as principais medidas seriam ajustar a densidade do cultivo, investir na qualidade da água (através da calagem e adubação), realizar a biometria dos peixes a cada 30 dias com o objetivo de calcular a taxa de ração, conversão alimentar e avaliar o ganho médio diário dos animais.
“Nunca tinha pesado a ração e até tentava fazer a biometria, mas da forma errada. O nosso maior problema é não saber onde está a perda. Então o segredo não está no final do processo, mas ao longo do caminho. Quando comecei a pesar a ração, o resultado começou a melhorar, mesmo antes da produção aumentar”, diz Derci.
Após três meses seguindo as orientações, o peso médio dos peixes saiu de 120 gramas por mês para 250 gramas. Antes da Assistência Técnica e Gerencial do Senar, a produção anual da Chácara Gaivota era de 39 toneladas de peixe. Com 24 meses de ATeG, a produção de Derci saltou para 65 toneladas por ano, resultando em aumento de 200% da margem bruta do produtor.
“Vi que estava dando certo quando os peixes passaram a se desenvolver melhor. Na primeira venda depois da ATeG, o peixe já era maior. Antes só vendia peixes abaixo de um quilo. Fizemos o remanejamento dos peixes, reduzindo a quantidade por tanque. Hoje tenho 35 tanques escavados, sendo 32 para engorda e três berçários”, conta Derci.
O técnico do Senar Vicente Neto é enfático ao ressaltar que o produtor rural precisa gerenciar sua propriedade para que, por meio dos indicadores de produção, consiga tomar as melhores decisões e, com isso, aumentar a produtividade e a lucratividade. “O Senar impacta de forma gigantesca na vida dos produtores. É com a ATeG que o pequeno, o médio e o grande produtor conseguem desenvolver melhor suas atividades”.
A transformação não foi apenas no processo produtivo, mas na vida de Derci. Depois do Senar, ele conseguiu terminar de construir sua casa, trocou de carro, conseguiu viajar e comprou o ar-condicionado que tanto sonhava.
Enchente – Tudo ia bem na propriedade até as fortes chuvas de janeiro de 2022 atingirem a região. O nível do Rio Tocantins subiu muito acima do normal. As enchentes atingiram casas, comércio, isolaram e causaram perdas na zona rural. Os tanques de Derci foram inundados e o produtor perdeu toneladas de peixe ano passado.
Com o povoado Imbiral alagado, o técnico de campo do Senar alugou uma canoa para conseguir chegar na propriedade. “Foi um momento que o Derci precisou de apoio. Ainda vamos demorar um tempo para recuperar a produção de antes da enchente, mas ele é disciplinado, segue as recomendações técnicas e ama o que faz”.
Segundo o produtor, sem o Senar ele não estaria mais produzindo. “Com a ATeG fiquei mais confiante, tive a oportunidade de trabalhar com planejamento. Tenho orgulho de onde cheguei, me sinto vitorioso e abençoado. O Senar é um braço forte me ajuda muito”, diz Derci.
“Esse trabalho é motivo de orgulho e realização profissional. O que me motiva todo dia é ver a satisfação no rosto do produtor, que ele está melhorando sua qualidade de vida e tirando o sustento da família. O que motiva é ver que com o nosso trabalho o produtor consegue alcançar seus sonhos”, diz Vicente.
Derci conta que após a enchente a ideia é verticalizar a produção e otimizar a área. “Alguns tanques estão se conectando, ficando sem barreira, então preciso secar pelo menos a metade para reformar e melhorar a produção”. Atualmente, o piscicultor recebe atendimento do técnico de campo do Senar Wilkinson Vinícius Pereira Silva.
Derci sabe que ainda há muito trabalho a ser feito, que as demandas em uma propriedade rural nunca acabam, mas que boa parte da jornada já foi percorrida. “A gente continua sonhando, ano que vem tem mais!”.
(Com cnabrasil)