Agricultura familiar pode melhorar merenda escolar indígena
A adequação das refeições escolares em territórios indígenas é uma das diretrizes previstas no Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). Para isso, o Pnae incentiva a agricultura familiar ao determinar que 30% dos recursos repassados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para a alimentação escolar sejam destinados à compra de alimentos produzidos neste sistema, o que garante mercado e renda para essa parcela da população e promove o desenvolvimento econômico dos municípios.
Um dos desafios é oferecer nas escolas indígenas alimentação que seja adequada àquelas crianças dos pontos de vista de vista nutricional e cultural. “É importante que sejam retirados das escolas indígenas os produtos ultraprocessados. Tem uma resolução mais recente, a Resolução 06/2020 06/2020, que alinha as diretrizes nutricionais do programa com o Guia Alimentar para a População Brasileira, principal referência de alimentação e saúde”, destaca a coordenadora do Observatório da Alimentação Escolar.Mariana Santarelli, integrante da FIAN Brasil (Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas).
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Segundo Mariana, em muitas localidades [indígenas], ainda são entregues enlatados, farinhas lácteas e outros produtos processados. “Além de estarem em desacordo com a cultura alimentar local, são produtos que geram hipertensão, obesidade e uma série de outros problemas de saúde.”
A retirada dos produtos processados da merenda escolar indígena impõe, no entanto, o desafio da compra local, destaca Mariana. “Também não é fácil criar uma sistemática de compra pública — que é muito burocrática — que funcione para os agricultores familiares indígenas. Alguns agricultores já estão organizados e existem associações, o que torna o processo mais fácil.”
Para Mariana, esta é uma mudança que exige vontade política. “A burocracia já é pesada para qualquer pessoa que queira vender para o estado e fica ainda mais para os povos indígenas. O desafio é constituir circuitos locais de compra, de produção e de venda para a alimentação escolar de produtos adequados, saudáveis e que estejam embasados na cultura alimentar local.”
Território e terra
O secretário do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Antônio Eduardo Cerqueira de Oliveira, ressalta que a alimentação escolar indígena tem relação direta com a questão do território.
“Se um povo está em um território devidamente regularizado, sem conflitos, ele tem condições de praticar cotidianamente a sua cultura, que tem a ver também com a alimentação. A terra permite que ele pratique sua agricultura, sua pesca, sua caça. E isso é uma valorização dos seus costumes e das suas tradições. As crianças também fazem parte desse universo”, ressalta.
De acordo com Oliveira, é necessário um diagnóstico sobre a base alimentar da comunidade, para que não haja desrespeito com a introdução de elementos estranhos à cultura local, o que, em vez de ajudar a saúde alimentar, pode trazer problemas, como diabetes. “Se for introduzido qualquer alimento estranho a essa cultura, pode causar prejuízo, e não benefício. Portanto, é bom dialogar antes e ver que tipo de alimento, que tipo de intervenção poderá se fazer nessas comunidades.”
Mais mandioca, menos biscoito
Em São Paulo, os centros de educação e cultura indígena têm trabalhado para manter a alimentação tradicional das crianças indígenas. De acordo com a equipe da Coordenadoria de Alimentação Escolar (Codade) da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, nas refeições, há maior frequência de farinha de mandioca e menor de biscoito; oferecimento de frango e ovo no café da manhã; e não é feita a colação (união com o desjejum. As mães indígenas, que acompanham os bebês, são incluídas no envio de almoço.
“Fizemos uma escuta recente no Projeto Ouvir, acolher e Nutrir com os povos indígenas e migrantes para adequação de cardápios. Para qualificar a alimentação indígena estamos revendo os processos de aquisição para facilitar a compra de alimentos que respeitem e valorizem a cultura indígena, por exemplo, quirera, amendoim, farinha de trigo, mandioca e milho”, acrescenta a coordenadora da Codae, Fátima Brum.
A equipe está ainda com projeto de incentivo ao cultivo de alimentos. “Para se organizarem [os indígenas] e fornecerem os alimentos na condição de agricultores familiares, como grupo prioritário, nos critérios de classificação de chamada pública. Mas os processos de chamada pública são complexos e muitas vezes inviabilizam a compra dos grupos não organizados”, lamenta Fátima.
Os Cecis são centros de educação e cultura essencialmente indígena, que visam valorizar e fortalecer as raízes, tradições e a autonomia do povo Guarani e assegurar o direito das sociedades indígenas a uma educação escolar diferenciada, específica, intercultural e bilíngue. Em São Paulo existem três desses centros: o Jaraguá, no distrito do Jaraguá, o Krukutu e o Tenonde Porã, ambos no Distrito de Parelheiros.
(Com Agência Brasil)