Após morte do marido, produtora rural transforma fazenda por meio da Integração Lavoura Pecuária
#souagro| Em 2002, com a morte inesperada do marido, a dentista Marize Porto teve que enfrentar um dilema, pois não detinha conhecimentos do setor agropecuário. Diante da situação, acabou por delegar a administração da Fazenda Santa Brígida, no município de Ipameri, no interior de Goiás, a uma pessoa de confiança. Com o passar do tempo, no entanto, começaram a chegar relatos de que o patrimônio da família estava se deteriorando rapidamente, com o solo arruinado e as contas no vermelho.
Quatro anos depois, em 2006, Marize ouviu de especialistas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) que poderia recuperar as áreas de pastagens degradadas e retomar a capacidade produtiva do local a um custo praticamente zero, utilizando a agricultura como ferramenta. Sem pestanejar, ela decidiu tomar as rédeas da administração do negócio e dar outro destino à Fazenda Santa Brígida.
Com a nova jornada exigia preparo, Marize buscou conhecimento técnico qualificado. Bateu na porta da Embrapa, que apontou a solução para o problema em uma sigla de quatro letras: Integração Lavoura Pecuária Floresta (ILPF).
“O começo foi desafiador. Quando instalei o sistema, as pessoas falavam que não podia plantar grãos junto com capim, que gerava competição, não daria certo. Como o ILPF é uma proposta disruptiva, que quebra o padrão de pensamento, ouvi muita coisa desse tipo”, recorda Marize, diante da certeza de que valeu a pena.
Atualmente, a Fazenda Santa Brígida é uma das principais referências deste sistema produtivo no Brasil, e uma verdadeira sala de aula a céu aberto, onde produtores, especialistas e estudantes do país vão em busca de conhecimento. Inclusive, no mês de março, profissionais do Sistema FAEP/SENAR-PR e da cooperativa Cocamar, de Maringá, participaram de um Dia de Campo no local, para conhecer de perto os resultados do sistema produtivo.
Mix de culturas
De 2006, quando teve início a transformação da fazenda, até hoje é difícil elencar as mudanças na Santa Brígida, diante da enorme quantidade. O primeiro passo foi promover a correção do solo. Na sequência, a instalação das lavouras de soja e milho nas áreas ocupadas por pastagens degradadas. A receita obtida com os grãos pagou as contas da operação e o resultado prometido pelos pesquisadores da Embrapa foi entregue: pasto de primeiro ano de boa qualidade.
A partir daí, iniciou-se um ciclo virtuoso, cujos resultados vêm aumentando ano a ano. As variedades de forrageiras, os consórcios com graníferas anuais e a sucessão de culturas foram sendo ampliadas, bem como o ajuste correto da pressão do pastejo. Atualmente ocorre a rotação da soja e o milho com diversas espécies diferentes de grãos e forrageiras. “Quanto maior o número de espécies forrageiras, melhor a produtividade e o controle de pragas e doenças”, explica Roberto Freitas, consultor agrícola da Santa Brígida.
Segundo o especialista, essa estratégia também tem caráter econômico. “No cerrado, o fósforo é problemático, pois não solubiliza facilmente. Mas algumas plantas aceleram esse processo e deixam o fósforo acessível”, explica. Com isso, a conta com fertilizantes minerais também diminui.
Durante a primeira safra, há áreas com soja, outras com milho consorciado com braquiária e ainda um espaço destinado ao pastejo intensivo de bovinos. Na segunda safra, áreas com milho braquiária, sorgo consorciado com capim tamani, girassol com braquiária, além de um mix forrageiro tomam conta do local. “As forrageiras trazem ganhos para a produção agrícola. Além disso, o pastejo sobre a palhada não compacta o solo e aumenta a produtividade da soja”, observa Freitas.
Pecuária intensiva
A produtividade de um animal por hectare em 2006 dobrou no ano seguinte, e seguiu aumentando expressivamente nas temporadas seguintes. Hoje, a propriedade contabiliza 630 animais em 84 hectares, com resultado operacional de 54 arrobas por hectare. O talhão é dividido em 16 piquetes, aos quais a cada três anos a atividade agrícola retorna. Existem também outras áreas de 150 hectares voltadas exclusivamente a pastagens, já que a declividade do terreno dificulta a introdução da agricultura, e outros 45 hectares em que as pastagens dividem espaço com uma floresta de eucaliptos.
Por opção, a fazenda não recria animais. A estratégia é adquirir no mercado conforme a disponibilidade, de modo que existem diferentes raças e cruzamentos em campo. O tempo em que permanecem na fazenda varia entre 12 e 16 meses. A terminação é feita em confinamento, com suplementação mineral que varia entre 0,1% e 0,2% conforme a estação (das águas ou seca). Para dar suporte a esta operação, foi construída uma fábrica de rações e suplementos dentro da Santa Brígida.
Os resultados do sistema que alia produção de grãos e de carne apresentados chamam a atenção. A atividade de pecuária de corte rende R$ 9,4 mil por hectare. Além disso a integração das atividades agrícola e pecuária traz ganhos adicionais para ambas.
“Os animais são grandes cicladores de nutrientes no solo. Cada 1% de aumento na matéria orgânica corresponde a 18,7 litros a mais de água retida por metro quadrado”, explica William Marchió, consultor pecuário da Santa Brígida.
Silvicultura
O componente florestal foi introduzido no terceiro ano após a proprietária assumir a gestão da fazenda. No começo foram quatro hectares de eucaliptos. Diante do bom desenvolvimento das árvores, ocorreu a expansão nos anos seguintes. Atualmente, 45 hectares estão tomados por um consórcio de eucaliptos com pastagem de braquiária, que além de alimento contribui com o bem-estar dos bovinos por meio da sombra projetada. Outros 10 hectares abrigam florestas, somando 40 mil árvores.
Apesar de ainda não ter sido colhida, essa floresta contribui com os resultados da fazenda ao capturar o carbono da atmosfera, neutralizando parte das emissões que ocorrem na atividade pecuária, sem contar a questão paisagística.
(Com Faep)